SAMARA OU MULHER DE BRANCO. LIA LÚCIA DE SÁ LEITÃO. 02/09/09.
Caríssimo leitor, nem faz tanto tempo assim que nos vimos, mas para quem escreve sempre o tempo é muito tempo entre um intervalo e outro para um oi. Pois bem, iniciei essa primeira semana de setembro com Samara, devido uma corrente sobre a menina cascavelense que morreu enroscada entre arames farpados e risadagens de um homem que poderia tê-la salvo e. não o fez, omissão de socorro ou pura maldade? Maldade! Por que agora Samara tornou-se corrente pela internet e sua triste história contada aos avessos, quase se tornando assombração, situação que não acredito.
Uma criança não assombra, a mente humana cria os pavores da noite, o medonho desconhecido pelo imaginário e a banalidade da violência pela histeria coletiva cibernética, a sociedade não aguenta mais conviver com fatos cruéis.
Aproveitei a corrente assombrosa que gira o mundo sobre Samara e escrevi aquele primeiro texto, mas, a bem da verdade não quero que a menina seja mais uma vítima do medo, quero que seja reconhecida como mais uma vítima da violência humana, da prova maior do desamor e desrespeito entre a crueza da alma humana e o padecimento até a morte de uma menina que brincava de bicicleta até um pouco antes do acidente que a vitimou.
Todo esse entrevero cibernético da corrente causou-me uma angustia e medo, quero justiça mas também desejo esclarecer que Cascavel tem assombrações tão célebres quanto Samara.
Podem rir, mas eu vi, creiam ou não caríssimos eu vi o que vou relatar nas próximas linhas.
Abrindo um parênteses, não vi Samara, nem ela veio puxar meu dedão do pé como imaginei nas ameaças da corrente que recebi pelo e-mail, acredito que não virá me assombrar mas preferia ver uma criança que aquela visagem na rua.
Depois que escrevi sobre Samara no continho já postado aqui no Recanto das Letras, passei uma noite em claro, verdade! Não dormi um minuto esperando algo, não sabia o quê. Tagarelei a noite inteira com a parceira de aventuras e companheira das horas de escritas. Escrevo e ela pacientemente ouve cada palavra com interesse divertido e depois comentamos o assunto exposto e sempre rimos muito e comemoramos cada produção com uma cervejinha, essa é sempre a nossa diversão maior nas noites quentes ou geladas de Cascavel.
Finalmente as sete horas da manhã o corpo reclamou, não dei aula, não tive sequer a menor disposição de tomar o café matinal, cai na cama e apaguei, acho que o medo afagou a exaustão durante o dia e dormi um sono pesado e sem sonhos.
A noite, ainda com o corpo pesado sai sem dar asas ao medo, era tolice e toda a pressão criada por um e-mail que devia ter sido jogado na lixeira.
Sai.
Chamei a companheira de todas as horas para um chopinho e conversamos sobre várias coisas, aulas, produção de texto, inscrição para um seminário sobre informática educacional, coisas que só educadores e professores conversam sem dar tréguas para os pensamentos mais soltos, aquela música que toca no DVD.
Rodamos toda Cascavel, da Universidade Estadual até a Banca de revistas para um sorvete enquanto não decidíamos em qual choparia poderíamos nos divertir um pouco e jogar conversa fora.
Entrei numa rua e voltamos ao Colégio em que trabalho, tinha interesse em convidar os meus patrões e um colega de Biologia para conversamos lorotas e descontrairmos as tensões do início de semana por causa de um calor atípico na Capital do Oeste paranaense.
Encontramos no estacionamento os meninos do cursinho, rimos a valer e com o sentimento de amenizar aquele papo anterior seco de emoções tecnicista. Passamos um tempão orientando-os para a responsabilidade da vida profissional mas sem perder a alegria da juventude.
Por fim, resolvemos passar num restaurante badalado da cidade. Liguei o carro, dei mais uma volta pela Av. Brasil, uma das vias rápidas e entrei duas ruas depois do local acertado, como sempre errei a entrada, entrei numa rua mal iluminada, e como não havia necessidade de velocidade, vinha lentamente curtindo uma brisa morna. A meia Lua prateava a noite e do nada uma mulher de branco atravessa a rua bem na frente do meu carro. Não sei como não atropelei a moça alta, cabelos longos e claros, vestida de branco.
Desviei o carro com firmeza e olhei pelo retrovisor com vontade de esganar aquela pedestre suicida e mal educada em menos de dois metros. Não tinha ninguém na rua, só um gato atravessou de uma calçada a outra. Comentei com a companheira, você viu a mulher de branco que quase atropelei agorinha? Ela riu e disse, que nada! Não tinha ninguém na rua. Fiquei quieta, mas, eu vi, tenho certeza que vi. Voltei a tocar no assunto, por fim, a amiga mais medrosa que eu retrucou, ara! Você viu foi Samara. O medo arrepiou fez subir um frio pela coluna vertebral, mas, para não perder a postura falei que Sam, agora mais intima, era uma criança, e a amiga voltou a insistir, vai ver que ela lá no outro mundo virou uma moça e veio te assustar.
Caríssimos pensem! Ponham-se em meu lugar, medrosa como sou, escrevendo um dia antes sobre o fato que vocês já conhecem da alminha penada de adolescente, me aparece no meio da rua uma mulher que não existe e toda de branco, quase atravessou meu carro, e eu ainda ter que imaginar que o tempo lá do outro lado envelhece as assombrações mais rapidamente que os ponteiros cruéis dos nossos relógios e o somatório dos meses e anos, do lado de cá dos viventes.
Aqui estou encafifada, era Samara que tinha se tornado uma alma adulta ou era uma alma adulta de branco se aproveitando da minha frouchura para externar em forma de escrita que ela existe bem ali na esquina?