Conto de Fadas
Abriu os olhos.
Estava de pé na sala e ia dar duas horas da tarde, faltavam apenas dez minutos.
De onde havia vindo?
Tinha certeza que estivera dormindo todos aqueles anos.
Quem a havia beijado?
Recordava-se de um beijo, mas quem? Quem?
Ao seu redor o castelo desmoronava, os príncipes e princesas despiam-se de suas belas vestes de veludo e seda e aos poucos tomavam suas formas originais de sapos e rãs.
Que estava fazendo alí?
Tinha certeza que no sonho as profecias não eram assim. Não havia aranhas nas paredes e poeira no chão.
Não, não! O chão seria de mármore branco, cercado por colunas de puro carrara. As estátuas de querubins seriam de alabastro rosado, com detalhes do mais puro ouro. Da parede penderiam longas tapeçarias de seda, onde cenas de caça e de dança se desenrolavam, parecendo vivas à luz das velas que tremeluziam à brisa fresca de um interminável verão.
Quem a havia beijado? Quem?
Á medida que andava, seus passos ficavam na poeira da sala estreita, úmida, escura...as paredes estavam descascando, o reboco caía em longas faixas de areia amarela. Um velho portão, torto abria-se para um minúsculo pátio onde chovia cântaros. Talvez isso estimulasse os sapos e rãs a coaxarem numa algaravia infernal.
Ela acordou no meio da sala e era dia.
Quem a beijara? Quem? Quem?
No canto da sala minúscula, sentada num velho sofá amarelo uma mulher, vestida em uma roupa severa e cinzenta, a olhava espantada. Notou como ela parecia forte e ao mesmo tempo frágil. Corpo de alterofilista e pés de gueixa. Seus olhos eram negros e intensos estavam molhados de lágrimas e a sua testa estava marcada de suor e sangue.
Mas, quem a havia beijado? Quem? Quem? Quem? Se pelo menos os sapos e rãs parassem de coaxar! O barulho não a deixava pensar nem lembrar-se.
Estivera dormindo anos e anos! Tinha certeza disso como de se chamar Cinderela. Não, Aurora! Não, Chapeuzinho Vermelho! Não! Não! Não! como era mesmo seu nome? Como era mesmo que a chamavam?
A mulher levantou-se, tinha uma corcunda enorme. Não pode deixar de notar que mancava enquanto se aproximava devagar.
De súbito lembrou-se.
Sabia quem era. De onde vinha. Sabia quem a beijara. Sabia, sabia!
A mulher tocou-lhe a mão, aproximando-se sorrateira.
- Não! Você não vai me beijar outra vez, Realidade.