Litoral
Litoral
Anete acordava com o cheiro forte de café.Olhou imediatamente para a parede que ficava à sua frente, totalmente embevecida.
Parecia um espelho o reflexo que o sol trazia; seus raios penetrando através do vidro da janela:
O mar com pequenas ondas e o pescador jogando a rede; refletia tudo, até o seu chapéu.
Era uma imagem levemente trêmula, que nem uma tela de cinema.
Ficou parada, com medo que tal espetáculo desaparecesse como as nuvens desapareciam no céu, com seus desenhos, rostos e mistérios.
Começou a chamar pelo pai: venha papai, ver: Você que gosta de pescar, tem o mar aqui na frente, bem na parede do quarto!
Seu Amaro chegou ligeiro admirando aquela beleza toda e disse, saia dessa cama filha, venha tomar café e vamos pescar.
A jovem correu alegre na plenitude dos seus quinze anos. Alimentou-se, já com a toalha na mão, vestida de maiô, correu, entrando na água límpida e fria. Feliz porque estava ao lado do pai. Pareciam duas crianças. Ficaram brincando com búzios de diferentes tamanhos, catando pedrinhas, jogando pedaços de madeira que boiavam.
A seguir, foram até as pedras, pisando com cuidado, por causa dos ouriços. O pai, já começava a pescar. Aparecia peixe por todo lado e o samburá, de repente, já estava repleto. Enquanto isso, ela nadava nas piscinas, cavidades que se formavam dentro das pedras, águas translúcidas e mornas; universo só seu.
Não viram nem o tempo passar. O mar começou a encher e teve que se pendurar nas costas do seu Amaro, enquanto este, nadava com a maré já bem alta. Não sabia se o que sentia era medo ou orgulho daquele velho e amado pai. Aliás, não sentia medo, não. Sabia que nada de mal lhe aconteceria nas águas tão salgadas, soberanas e conhecidas.
Soprava um vento forte e quase dormiu nas costas dele. Mostrava-se tão seguro, acalmando e inspirando confiança para despistar qualquer ansiedade.
Era quase anoitecer, quando chegaram em casa e uma brisa suave soprava os coqueirais. Anete levantou-se da cadeira, depois de almoçar e foi até o alpendre, esperar por Emanuel, seu querido namorado. Precisava contar-lhe as astúcias daquele dia e ler para ele uma poesia de Castro Alves, para que lhe ajudasse com o trabalho escolar.
Chegava ele, então... Cabelos claros, caindo levemente na testa, olhos vivos, e aquele sorriso, cheio de simpatia.
Já havia completado dezoito anos e era muito querido pela família. Estudava Mecânica, mas adorava pintar paisagens, flores, principalmente.
A noite chegou ligeira, naquele dia, divinamente perfeito.
Esqueceu a poesia, o mar e entregou-se num longo beijo.
Verônica Aroucha
04/2005