Tardes de domingo
O Guarany funcionava todos os domingos com as discotecas (era assim que se chamavam as baladas nos anos 80 , mais precisamente 1988 ) e a garotada toda se encontrava por lá, parecia um formigueiro , a coisa fervia. O momento aguardado por todos era a hora da música lenta . O coração batia apressado, a voz sumia quando o pretendente “certo” tirava a mocinha para dançar. Muitos casais se conheceram lá e estão juntos até hoje. .
Numa dessas, estava ela, dançando com as amigas. As luzes deixavam as roupas e qualquer detalhe branco acesos. Uma bola girava no meio do salão pendurada no alto, causando efeitos psicodélicos. O efeito era maior para quem não estava acostumado ao ambiente, como ela,a mais nova da turma e também a mais bonita.
Ela parou perto de uma pilastra para descansar, estava ficando tonta com tantas luzes, as amigas continuaram dançando .Ela olhava todo o salão,de repente os seus olhos pararam lá em cima ,na cabine do DJ e lá estava ele , parecia um príncipe no torre do castelo, se comunicavam como se uma corrente energética estivesse ligando-os pelos olhos. Uma das amigas a puxou novamente para dançar . Dançava e tentava no meio daquela confusão de luzes , braços e pernas se movimentando encontrar aqueles olhos novamente. Isso só servia para deixá-la mais tonta ainda . Esforçava -se em vão.
Na metade do baile, o momento mais esperado: a hora da música lenta. Rafinha, um dos rapazes mais cobiçados da cidade, veio tirá-la pra dançar, mas ela não quis. As amigas saíram aborrecidas por ela ter dado um fora no garoto e foram se sentar num banco próximo à piscina. Ela continuou lá, encostada na pilastra, olhando insistentemente para a cabine tentando vê-lo novamente e não conseguia. Cansada resolveu ir para perto das amigas.Estava saindo quando alguém tocou com delicadeza o seu ombro. Momento mágico. Era ele, convidando-a para dançar. Ela nem conseguiu responder, só balançou a cabeça. Ele a segurou pelas mãos e a conduziu para o centro do salão. Enquanto dançavam, tentavam se conhecer por telepatia. Se olhavam, se sentiam . Bastava. Pareciam levitar quando os lábios se tocaram no primeiro beijo. Transcenderam toda emoção vivida até aquele momento. Depois do beijo , conversaram. Marcaram novos encontros para se conhecer melhor.
Ele era locutor de uma rádio FM , vivia oferecendo músicas para ela , que se apaixonava cada vez mais.Não passava um único domingo sem que se encontrassem.Na hora da música lenta, quando os dois iam para o salão , parecia que todo o clube se transformava , que uma chuva de pétalas rosadas caía sobre eles , que o perfume das rosas se espalhava pelo ar e que os envolvia durante toda a dança .
Não, amigo leitor , não estamos prestes a nos deparar com um final feliz de contos de fadas , não mesmo.
Estamos em Arraial do Cabo, lugar muito distante sim, mas longe de ser um Reino Encantado, apesar de todos os encantos que possui.Também não há aqui nenhuma fada madrinha que possibilite ao menos uma segunda chance.
A moça era a única filha numa família de quatro irmãos, seus pais não queriam que ela namorasse antes de concluir os estudos ,tinha apenas catorze anos, seus irmãos ameaçavam arrumar encrenca se os encontrassem juntos. Mesmo contra a vontade de todos, o casal se enamorou ainda por uns três meses. Porém a pequena sucumbiu às ordens da família.Terminaram o namoro.Choros, lágrimas, tristeza, sofrimento. Ele jurava nunca ter amado ninguém assim, ela também o amava, mas não podia lutar contra sua família. Era fraca demais para isso. Deveriam terminar.
Vinte anos se passaram, a roda-viva girou centenas de vezes e ainda hoje é possível passar em frente ao Guarany e sentir a dor deixada por esse amor. Há quem diga, que o Clube ainda chora a ausência dos dois, nunca houve ali outro sentimento igual.
Quanto ao casal? A moça formou-se em medicina , foi morar no exterior. Nunca quis casar. O jovem rapaz, casou-se com os livros, eternos companheiros.Tornou-se escritor e sobrevive contando as histórias que poderiam ter vivido se ainda estivessem juntos.