__REVELAÇÃO DE UMA VIDA_
Bianca olhou a sua volta exausta com os pen-
samentos revoltos.
Tantos sentimentos ruins lhe oprimiam o peito.
Mas estava seca de sentimentos para libertar as
lágrimas.
Andou pela casa bagunçada, recolhendo os cacos
de louça quebrada, limpando a sujeira deixada.
Baixinho praguejava sua triste sorte, maldizendo a
vida que havia escolhido mesmo erroneamente.
Com cuidado recolheu alguns pedaços de vidro que-
brado e uma lágrima teimosa escorreu por sua face.
Mordeu os lábios zangada a limpando com a palma
da mão.
Instantes depois Mauricio chegava da rua bebado fei-
to gamba.
Ela o olhou e seu desejo era terminar de uma vez por
todas com ele.
Mas sua covardia e nobreza de carater não lhe permi-
tiam tal ato insano.
Em silêncio preparou o jantar, sopa rala com legumes
doados por uma instituição de caridade.
Se serviu em silêncio e com um olhar sorrateiro o viu
desabado no sofá roncando.
Sorriu diabolicamente, se cravasse uma faca em seu co-
ração ele nada sentiria.
Rindo bestamente se imaginou livre para viver e ele nu-
ma cova rasa sendo devorado por vermes.
Sorriu com seus pensamentos descordenados e termi-
nou a sopa.
Levantou se da mesa e foi tomar um banho, mal termi-
nou e o viu a observa-la.
Seu odor desagradavel, o sorriso de cobiça e não havia
como rejeita-lo.
Aceitou seu carinho, seu toque sangrando na alma a
repulsa e o asco.
E quando ele a beijou nada sentiu do que um vazio abis-
sal.
Poderia denominar de qualquer coisa sua relação para
com ele menos de amor.
Mesmo que ele jurasse que a amava incondicionalmente.
O dia começava a clarear e silenciosamente ela se levan-
tou enjoada.
No velho espelho quebrado viu sua imagen distorcida,
olheiras profundas, uma magreza excessiva e o corpo
marcado pelas surras.
O olhou dormindo e resolveu acabar com o sofrimento.
Respirou profundamente tomando coragem, enfrentan-
do a si mesma.
Pegou algumas peças de roupas, documentos e alguns
trocados escondido numa lata na prateleira.
Não olhou para trás, com passos firmes seguiu em dire-
ção a porta.
A abriu, os primeiros raios de sol anunciavam a chegada
de mais um dia.
Bianca esfregou os olhos incomodada com a claridade
e seguiu em meios aos barracos até um beco.
Mais alguns passos e bateu na porta de um casebre em
ruínas.
A porta se abriu no mesmo instante D.Josefa ao ve-la
esbugalhou os olhos assustada.
Ela abraçou a senhora robusta e num sussurro pediu
para pegar as crianças.
Poucos instantes lá estavam eles sonolentos correndo
em direção a mãe.
Pedrinho foi logo perguntando pelo bicho papão ela sor-
riu afagou os cabelos dele dizendo que não mais haveria
bicho papão.
Dona Josefa tinha imenso apego e carinho por aqueles
pirralhos que a conquistaram e num impeto de genero-
sidade entregou a eles suas economias.
As duas mulheres se abraçaram, Bianca agradeceu a va-
liosa ajuda e apoio e seguiu em direção ao ponto de oni-
bus com os filhos.
Seguiu em direção a capital, por um tempo consegiu se
manter, mas as dificuldades chegaram e coube a ela to-
mar uma decisão.
Certa noite olhando seus cinco filhos famintos, pensou
sobre todas as suas escolhas e se culpou por sua inexpe-
riencia.
Mas agora ela podia escolher, escolheria a renuncia e o
sacrificio, mas não renegaria seus maiores tesouros.
Na calada da noite seguiu em direção a um imponente
casarão e lá se tornou meretriz.
A melhor meretriz que se ouvira falar na decada de oiten-
ta.
E com este trabalho de vida fácil criou seus filhos dando
a eles a oportunidade de uma vida digna.
E foi com orgulho que os viu formados, encaminhados
na vida.
Envelheceu com o coração trancado para o amor, mas
com a certeza que fizera o certo.
Preservara seus filhos do infortunio do vicio e da violen-
cia a qual fora vítima.
Camomilla Hassan