A borboleta

Acordei,senti normalmente o calor desesperador do sol a tocar minha pele que,acredito eu,estar quase mortal tal sua brancura.Olho no espelho aquelas mesmas cicatrizes que sempre tive nesse longo rosto que herdei de pai e mãe de origem grega.E eu nasci e cresci assim,com esses cortes:um perto do olho,outro na sobrancelha e um no canto direito de meu lábio superior.Como foram feito eu também não sei,os tenho desde sempre mas sei que são daqueles que devem ter doido ao serem feitos,mas realmente não tenho idéia de suas idades.

Sou Victor,Victor Payne,mais um homem desses que trabalha,paga os impostos para sustentar o luxo da rainha,chega em casa cansado todo o dia e só dorme depois das 01:00 da manhã.Sou dono da Heaven’s Sin uma das casas noturnas mais incrivelmente movimentadas da podre e fétida Londres,segundo uma coluna sobre vida noturna da Times.Acredite se quiser todo o dinheiro que ganho com a boate,eu aplico na mesma e pago minhas contas básicas apenas,jamais gastei nada comigo;volto de ônibus,tenho um apartamento simples perto do trabalho e agora,uma borboleta que vem sempre me receber à noite chamada Lilly.Minha doce é meu único consolo e alegria,Lilly vem ao meu encontro toda a noite quando chego do trabalho,sempre pura,sempre linda e com uma xícara de café em suas mãozinhas de apenas dez aninhos.

Lilly morava na casa ao lado com um pai imensamente ocupado com seu trabalho na seguradora e sua sádica madrasta que quase envolveu a menina num...bacanal propriamente dito.Obviamente a borboleta(como é de sua natureza)fugiu,e me encontrou(ou eu que a encontrei?) quando estava na soleira da minha porta encolhida.Depois desse dia,dei a cópia da chave para ela entrar na minha vida a hora que bem entender,e desde então ao chegar em casa me deparo com papéis de doce no chão ,desenhos feitos direto na parede,a cama acusando um pular incessante e minha Lilly,cada dia com um vestidinho diferente,com uma xícara de café frio absurdamente saturado de sal me aguardando com aquele sorriso meigo e sapeca faltando um dente de leite na frente que eu adoro mais do que tudo.Eu jamais a prendi,sei que borboletas morrem se ficarem presas,fazemos várias coisas juntos:vemos filmes de terror ou suspense,dever de casa(ela era muito aplicada na escola),cozinhamos,arrumamos a casa e dormimos na mesma cama.Eu sei,que vê isso pensa na hora o que um homem com vinte e cinco anos faz dormindo com uma menininha de dez.Eu também achava aquilo um absurdo antes,alguém poderia me acusar de algo grave,por isso eu dormia no sofá e ela na cama.Mas não adiantava ela acordava logo,chorando muito,e me obrigava a dormir com ela;logo me acostumei e hoje dormimos juntos e abraçados sem nenhum problema,sem nenhuma maldade.Os pais dela(ou melhor,o pai dela)nunca veio procura-la,talvez estivesse ocupado demais para isso ou nem lembrava que tinha vida.

Eu vivia assim,feliz,sabendo que tinha minha borboleta em casa sempre com seu sorriso desdentado me esperando quando eu voltasse.Até o dia que não a encontrei.Por mais que eu não a prendesse,entrei em desespero profundo ao dar por sua falta,ela nunca fizera parecido,sempre era a mesma coisa eu entrava e ela vinha correndo e rindo balançando aqueles cachinhos cor de mel sempre bem cuidados junto com o meu café.Talvez aquela hora fosse a prova constante de amor que eu dava à ela,eu tomava aquela “poção” num gole só e dizia que estava delicioso,do jeito que eu gostava.Ela apertava seus olhinhos e abria um largo sorriso enquanto pegava minha pasta para achar seu presente de todo o dia;não era nada demais,as vezes uma miniatura de porcelana,as vezes uma caneta colorida,as vezes um mini caderninho ou um bloco de papel de carta com cheirinho doce.

Eu me lembrei de tudo isso num raio de segundos pois logo meu desespero me trouxe de volta à Terra,no instinto corri até sua antiga morada,talvez a madrasta tivesse contado ao pai sobre minha vida com a minha Cinderela e o parvo decidiu toma-la de mim e entrega-la aos sádicos caprichos da megera.Minha surpresa e meu pânico se mesclaram tal como o sal e o café na água fria ao saber que o parvo e a puta haviam se mudado para Chelsea no mês anterior.Eu estava desolado,minha ,mágoa me engolia por dentro e eu não sabia o que fazer,estava perdido em mim.Voltei para casa a passos lentos,tinha a singela esperança de vê-la ao chegar em casa.Tudo em vão,sentei na velha poltrona cheia daqueles cabelos claros e fiquei pensando,tentando lembrar de algo que me ajudasse a resolver essa situação surreal.

Fiquei remontando toda a semana para notar algo estranho

,mas foi inútil tudo o que veio na cabeça foram coisas como uma vez em que ela me disse algo,muito alegremente,sobre uma faculdade de desenho em Manchester.Eu estranhei,ela tinha apenas dez anos e já pensava em faculdade,mas mesmo assim dei força e disse ter ficado muito feliz com sua escolha;até a levei para jantar fora nessa noite.Mas isso não ajudava.Também lembrei de uma quarta feira em que ela me deu um beijo na testa;era normal ela me dar um beijo no rosto após achar seu presente,mas ela chegava ao meu rosto na ponta do pé e em cima do sofá.Pensei bem e cheguei a conclusão de que a danada pegou o banco bambo da cozinha que eu fiquei de consertar faz tempo mas sempre esquecia.Fui um idiota,ela podia ter se machucado seriamente.Mas eu penso nisso mais tarde,a prioridade era agora encontrar minha Lilly.

Levantei e fui até o quarto procurar alguma evidencia que me ajudasse.Mergulhei nas gavetas e encontrei várias maquiagens,absorventes(não sabia que ela tinha mestruado tão cedo),calcinhas,sutiãs(meninas,tão novas já querendo ser adultas)e revistas de ciências e desenho,mas nada que me desse alguma idéia do seu paradeiro.Eu não queria envolver a polícia nisso por isso passei a semana toda a procura da minha borboleta.Eu rodei a estação de metrô,a rodoviária,o aeroporto em busca de informações...e nada.Até que na segunda-feira da primeira semana de dezembro comecei a receber estranhas cartas e e-mails.

Eram dela!Fiquei em êxtase,queria de todo jeito minha princesa de volta e pagaria o quando quisesse por isso,mas ao abrir a carta,me deparei com um curioso fato:a pessoa escrevia e assinava em nome de Lilly,mas possuía um inglês muito culto!A letra realmente pertencia a minha Lilly sem duvidas mas...Era muito estranho,na carta ela relatava sua felicidade em ter chegado ao novo lugar(minha primeira idéia foi que ela tivesse ido com os pais)disse ter feito novo amigos bem rápido e que estava aprendendo muitas coisas novas.Eu li a carta,a apertei contra o peito e chorei por mais de uma hora,não conseguia assimilar que ficaria para sempre sem a minha razão de viver.Sim...ela é a razão pela qual eu trabalhava e voltava para casa feliz com isso.Não agüentaria viver sem ela.

No dia seguinte,me deparei com um e-mail também supostamente dela.Me falava sobre algumas dificuldades que estava passando e me pedia para responder o quão rápido pudesse.Eu o fiz.Disse-lhe que estava morrendo de saudades afinal,por mais que eu soubesse que o remetente não era minha doce Lilly,isso me confortava.

Passou mais tempo e eu voltei a minha vida normal,só que ao invés do café eu esperava uma carta ou um e-mail ansiosamente.

Era dia 24 de dezembro,olhei no notebook e não havia e-mail,não me importei,achei que era mais de seu feitio mesmo mandar-me um cartão grande e todo colorido como sempre me deu em todos os nossos natais(alias nem me lembro quantos eu passei ao lado dela...).Ao chegar no prédio,fui direto a caixa do correio...e nada.Subi as escadas desolado inventando desculpas pra mim mesmo,talvez para não ficar ainda mais triste,mas ao abrir a porta me deparei com algo diferente.Uma dama lindamente trajada,com um sorriso perfeito e longos cabelos cor de mel rindo pra mim e me dizendo “Nossa!Em nove anos você não envelheceu nem um pouco!Ah é!Seu café...”.Peguei aquela xícara,agora quente e com açúcar e passei o melhor natal da minha vida.

Inari
Enviado por Inari em 27/08/2009
Código do texto: T1777966
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.