Síndrome de Otelo
Caía a noite. Já era quase natal. Silvano, homem rude e de pouca leitura e conhecimento, aguarda ansiosamente a chegada de Norma, sua esposa, que está na aula de dança.
Anda de um lado para outro, em frente ao portão de sua bela casa. Bate os pés, balança as mãos, sacode a cabeça enquanto profere palavras indecifráveis. Inconscientemente, sente-se vítima de uma grande desventura, está determinado a nomeá-la e a enfrenta - lá.
Norma, mulher culta e de muitas leituras, delicada e um pouco tímida, não demora a chegar, sua aula termina às vinte horas, às vinte e dezoito, já esta em casa, suada, cansada, mas ainda cheirosa.
Silvano, descontrolado, cobra a demora da esposa. Ela, aparentemente acostumada às intempestivas crises do marido, apenas lhe dá um já decorado boa noite e entra diretamente para o banho. Ele, tomado por emoções variadas e com olhos em fogo, resmunga e esmurra o ar. Para, olha em volta, faz sinais obscenos em direção às janelas vizinhas e, por alguns instantes, senta no portal de entrada com a cabeça entre os joelhos: chora, suspira, e acaba apaziguando sua ira interior. Apaziguado, aparentemente, entra em casa.
Não há discussões, apenas um intrigante silêncio.
Silvano, religiosamente inquire sua esposa sobre os mais ínfimos detalhes de seu dia e, por mais detalhado e fidedigno que seja o relato dela, sempre nele recai a torturante dúvida: se relaciona de forma fecunda com a infidelidade que nunca se confirma. Durante o jantar, entre olhares e rosnas, Silvano ordena-lhe que não volte a ter aulas de dança. Afinal, ele não gosta de dançar. Ela nada responde, vai para o quarto, lê um pouco e dorme. Ela sempre teve preferência por leitura de clássicos, ele não tem nenhuma preferência.
No meio da noite ele acorda, observa a mulher, analisa suas delicadas feições, tenta decifrar suas experiências subconscientes na semiliberdade do sono. Já, quase de manhã, vencido pelo cansaço, adormece. Mesmo em seus mal- aventurados sonhos, Silvano vigia e desconfia de Norma.
Na véspera do Natal, durante o jantar, mais uma vez ele lhe ordena que não vá mais à aula de dança. Ela reage instantaneamente, diz a ele que a dança é o seu único prazer e que vai continuar a freqüentá-la. Silvano, indignado, a ameaça de morte. Ela lhe responde que o único que ainda vive naquela casa é “Otelo” e pede-lhe que o mate como única chance de renascimento para os dois. Ele, confuso, desorientado e cego pelo ciúme e ignorância, joga-se sobre o pescoço de Norma e a esgana. Ela morre por asfixia. A policia investiga o crime e nada encontra em desabono à fidelidade da esposa assassinada. Anexo aos autos do processo está um livro, encontrado em sua cabeceira: Otelo, o Mouro de Veneza. Na cadeia, condenado a 22 anos de prisão, Silvano planeja, pacientemente, sua vingança contra Otelo, o seu suposto rival.
Denise Reis- CAPOSM - Santa Maria RS Do livro Confraria (in)Verso VII