A CRIAÇÃO DA REDE – TECNOLOGIA INDÍGENA - 19/08/2009 - Lia de Sá Leitão

Paranã significa rio grande parecido com o mar, esse território terra de muitas etnias indígenas como os Tupis, Guaranis, até mesmo os M’byás índios nômades que acreditavam na Terra sem Males e os Xetás quase extintos.

Há peculiaridades no dia a dia dos índios que unem os indígenas brasileiros como: lendas, mitos, deuses, danças e enfeites artesanais. O maior problema para se entender essa diversidade cultural está no ensinamento escolar, nem todos nós imaginamos que tivemos um período Pré histórico, esses muitos séculos antes da chegada dos colonizadores ao Brasil. Imaginem essa Terra enorme com suas diversidades climáticas, matas, plantas de cada região preservadas, enfim, como não somos estudiosos de antropologia e sim criadores de momentos literários, estamos a desvendar mais uma lenda, mais uma idéia que soma as lendas indígenas que possuem pequenas divergências em seus conteúdos maravilhosos, mas é conhecida de Norte a Sul.

A lenda escolhida é tecnológica, voltada para a criação da rede um artigo utilizado por uma boa parte dos brasileiros, principalmente no Nordeste e Centro Oeste, serve como elemento de decoração nas varandas das ricas casas de fazendeiros no Sudeste ou no Sul, objeto de união da cultura nacional, quem não fez numa sesta na varanda de um hotel à beira mar deitado numa rede olhando o mar sem fim?

A rede, criação do índio brasileiro, não importa qual a tribo pois como elemento tecnológico cada segmento tribal fez as suas adaptações positivas de modificações e conforto, na verdade é um objeto de identidade, prova o rompimento das fronteira e desmente o limite territorial.

A rede internacionalizou-se. Atravessou os mares e hoje também serve de souvenir para os turistas estrangeiros que visitam o Brasil.

A LENDA – adaptação –

A tribo nômade dos M’byas atravessavam as Terras do Paraná, caçavam e coletavam alimentos, esses índios dormiam em buracos cobertos com folhas ou mesmo acomodados nos galhos mais frondosos das árvores, mas tudo aquilo era muito desconfortável e perigoso.

Vamos imaginar uma infinidade de mosquitos, pernilongos, insetos noturnos venenosos ou não, escorpiões e carapanãs, nome indígena das muriçocas que zumbiam e voavam. As formigas que ferroavam as pessoas sem respeitar as idades, assim, todos amanheciam empolados e doloridos do chão duro, gelados com o frio ou mesmo molhados da chuva.

Assustador para aquela tribo era despertar cedo e perceber que alguém tinha ido para a Terra sem Males.

Iniciar as poucas tarefas antes de sair para coletar e caçar, um membro acordava o outro e naquele burborinho matutino descobrir o frio fino da morte de um dos membros do clã por causa de um ataque mortal de animais peçonhentos.

Ali a formação social era composta por parentes, avós, pais, tios, primos e irmãos e o que fazer diante da morte? A morte sempre causou medo e respeito ao homem. Quando muito sepultavam envolto em largas folhas de bananeira ou taiobas. O comum mesmo era deixar insepulto o corpo do defunto e dali mesmo e seguiam o caminho com mais medo dos bichos que da noite.

As fogueiras acesas pelo atrito das pedras incendiavam os gravetos secos, mas não afastavam os animais ferozes ou as cobras para longe do grupo, todas as adversidades espreitavam os nossos protagonistas que não restiam as fadigas do campo e adormeciam pesadamente aonde se encostavam depois da lida.

A tribo nômade em suas idas e vindas pelo território do Paraná escolheu um índio para ser o chefe, teria que ser um índio forte e temido pelos outros chefes das tribos do litoral, daquelas nos campos gerais ou no oeste, o destemido Tamaquaré foi escolhido.

O homem pescava em rios enormes, conduzia a tribo para locais com frutos, sementes e tubérculos deliciosos. Guiava todos os homens caçadores para as campinas onde encontravam caça em abundancia , ele tudo sabia e tudo fazia para seu povo viver feliz.

Apenas um pesadelo não abandonava suas noites de sono, aquelas mortes causadas pela dormida vulnerável ao relento e pelo chão batido.

Tamaquaré não revelava para ninguém o pavor que sentia de dormir e amanhecer morto por um desses bichos venenosos. Preferia enfrentar um inimigo guerreiro e morrer lutando olhando a bravura do oponete e mostrando a todos a sua coragem. O veneno de um bicho era letal, traiçoeiro e sem chances de sobrevivência nem Pajé nem um deus trazia a vida do coitado de volta. Tudo era diferente na disputa, na arte da defesa, a medida de força pelo domínio do território, a briga dos homens e suas vitórias serviam de encorajamento para gerações futuras e fonte de brio, inspiração para novos guerreiros defenderem o território de convivência.

O chefe Tamaquaré ficava horas sentado e calado na beira do Rio Piquiri matutando um jeito de vencer o medo da noite e da morte. Resolveu não dormir e ficava de sentinela vigiando o chão com pavor dos animais, não queria ser vitima do descuido, o índio alertava todos do perigo mas seu povo não resistia o sono e ao cansaço do trabalho diário, e como não possuiam organização de trabalho não sabiam como manter a virgília.

O índio, de tanto matutar mastigando um talinho de capim lembrou-se de seu melhor amigo o tucano, explicou seus receios, assumiu que não era um bom chefe pois era medroso e quando todos descobrissem ele ficaria desmoralizado.

O tucano ouviu todos os seus lamentos, e partiu para a selva em busca de cipós com o seu amigo. O índio na medida que ia relatando seus medos da morte começaram a trançar os cipós e por fim fizeram um enorme tapete, cabia dentro um homem robusto todo coberto com umas abas laterais, propositadamente foram deixados dois buracos em cada extremidade, quem olhasse pensaria:que bobagem desse índio, qualquer bicho passa livremente naqueles buracos! Chegou a noite, o índio não sabia o que fazer com aquele amontoado de cipós olhou com calma e viu que podia encaixar os dois grandes buracos em um forte galho e o outro em outra parte da árvore e finalmente ficou pendurado no ar, protegido dos escorpiões, cobras e formigas, onças pintadas, cachorro do mato, cobras e outros bichos perigosos.

O índio depois que viu no seu invento a revolução tecnológica da mata, não perdeu tempo e correu até o seu amigo tucano e resolveu demonstrar a práticidade do seu invento.

Depois que os dois testaram a resistência dos cipós trançados balançaram de um lado a outro, riram, berraram igual crianças, esticaram cada um por sua vez o corpo nas alturas e sentiram o conforto e a segurança de não ter ameaças das picadas venenosas pelo corpo levando-o a Terra sem Males.

Tamaquaré finalmente estava nas alturas, protegido senhor de si, aparecia para o seu povo como herói protetor, ainda mais forte e decididamente um verdadeiro guerreiro.

Os índios elegeram finalmente o pajé Tamaquaré o mais célebre dos membros da tribo. O posto de chefe favoreceu algumas regalias ao índio como ficar lá no alto das árvores olhando a paisagem enquanto todos quase engatinhavam coletando frutos ou sementes. O índio não podia perder tal regalia. Esperto, um dia chamou o tucano e disse em tom de ordem ao amigo que guardasse aquele segredo, nada de comentar que a criação da rede era fruto de um medo.

A curiosidade era tamanha e se alguém perguntasse sobre aquela descoberta o tucano era obrigado a falar que o objeto das alturas se chamava rede, o pajé criou porque era o mais inteligente e precisava ficar nas alturas para olhar de cima para baixo o seu povo e defendê-los em caso de ataque.

Apesar de ser um índio muito bom para seu povo não pensava em dividir a sua criação de uma vez que aquele objeto era o símbolo do poder.

O tucano era um boêmio das matas, falava alto, cantantava ritimado e conversava com todos, tinha o bico pequeno e tagarelava tanto quanto um papagaio, era ele quem avisava a hora de todos se reagruparem para comer, ouvir causos dos antigos e discutir as quantidades de comida encontradas naquele dia.

Todos sabiam que a situação mais dificil para o tucano era guardar um segredo, pois ficava sem rumo, sem eixo e assim descobriu que o segredo do Pajé estava incomodando e resolveu chamar o macaco guerreiro, o papagaio cantador e a velha feiticeira da tribo. Alardeou que precisava de uma reunião com os três quando viu que os índios comuns continuavam ameaçados pelos animais peçonhentos, onças e cobras grandes.

Todo mês de Lua cheia era uma catástrofe, os ataques aconteciam e o Pajé nem se comovia. O povo trabalhava exaustivamente e a canseira provocava o sono pesado. Eles tentavam escolher um bom lugar mas depois da refeição caiam prostrados entre as folha e paús. Muitos ainda se incomodavam com aqueles roncos perturbadores do Pajé que mais parecia um bugio.

Cheio de remorsos por guardar aquele segredo resolveu abrir o bico reuniu todos em torno da fogueira e contou tudo em detalhes sobre a rede.

O pajé quando viu aquela reunião que ele não sabia o teor das falas foi chegando sorrateiro e a surpresa do seu segredo revelado. O índio correu para a mata, cortou vários cipós, finos, grossos, longos, curtos e ficou sumido durante semanas. O seu povo comentava o sumiço e esperava o retorno do índio para pedir explicações e satisfações pois o conselho já o havia destituido do cargo de chefe.

Tamaquaré reencontrou o grupo mais de duas Luas, o que era muito tempo. Voltou sério e puxando um enorme pau encoberto com várias redes trançadas acomodadas uma sobre a outra pelo tamanho, ele mesmo havia fabricado para cada um dos seus parentes.

Fez menção de paz e anunciou com a sua voz grave: ninguém da tribo dormiria em covas pelo chão ou sobre paus e folhas sujeitos a toda sorte de infortúnio ele sumiu para aperfeiçoar na mata o seu invento que pouparia vidas, dali em diante todos dormiriam nas alturas das árvores.

Todos aplaudiram rapidamente arrumaram uma clareira e celebraram com danças e comilanças a fidelidade daquele índio que voltou a ser o chefe aceito por todos. Tornou-se de verdade o salvador do seu povo.

O índio mesmo depois que foi aceito de volta para o grupo familiar e da tribo chamou o tucano para uma pescaria, o tucano de consciência limpa aceitou, mas, Tamaquaré ainda com muita raiva e sem perdoar aquela traição deu um corretivo no tucano e por fim com toda a sua força puxou o bico pequeno do tucano até ficar grande e curvo e nunca mais poder falar apenas emitir sons sem ritmo.

Lia Lúcia de Sá Leitão
Enviado por Lia Lúcia de Sá Leitão em 19/08/2009
Reeditado em 21/08/2009
Código do texto: T1762765
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