Assassinos não duram muito

Dimitri estava decidido. Seria sua última dose de Vodka por aquela noite.

Pegou o copo de vidro com certa dificuldade. Depois de tantas doses, até gestos simples requeriam um pouco mais de concentração. Levou o copo até a boca e virou num único gole garganta abaixo. O líquido quente escorreu lentamente provocando uma sensação de calor por todo o seu corpo.

Esta sensação lembrava vagamente a excitação que sentia quando ainda era um matador profissional. Aquele calor que lhe percorria o corpo, aguçando seus instintos frente à vítima. Prazeres diferentes, mas igualmente saborosos para ele.

Apesar de lembrar como se sentia, Dimitri não era mais o mesmo. Estava velho e cansado demais para esses antigos costumes. Um dos únicos prazeres disponível naquela altura da vida, ele encontrava em alguns copos de Vodka por noite.

Enfiou a mão no bolso e tirou o dinheiro para pagar pela bebida. Pegou duas notas ao acaso e depositou sobre o balcão de madeira. Sua vista embaçada que o impedira de identificar a quantia separada, ainda captou enquanto preparava- se para sair, o olhar espantado do garçon e suas mãos hábeis literalmente voando para cima do dinheiro.

“Nota errada” – ele pensou dando de costas.

Lá fora a tempestade de neve havia terminado.

O frio nunca lhe agradara. Lembrava muito bem de quando visitou uma ilha no Caribe. Suas andanças pelas noites agitadas de Aruba e seu último serviço como matador, vieram-lhe a mente.

“Coisas do passado” – ele pensou. Ainda assim, lembrava-se claramente dos problemas que teve e de suas implicações nos seus hábitos até tempos atrás. Agora, viver ou morrer não fazia muita diferença.

No caminho até a porta de saída, Dimitri teve a real noção de quão bêbado estava. Tudo parecia rodar à sua frente. Mesas, cadeiras, luzes e o próprio chão lembrava um carrossel girando constantemente. Apoiando-se por vezes em alguns clientes, ele venceu o caminho até a saída.

Girou a maçaneta e empurrou a porta.

O choque térmico pareceu despertá-lo por alguns instantes e enquanto vestia seu casaco marrom, percebeu que não conseguiria dirigir esta noite. Dotado ainda de algum resquício de lucidez, concluiu que deveria passar a madrugada em seu carro estacionado próximo ao bar.

Enfiando o pé na camada de neve que se formara, seguiu lentamente, munido de toda sua concentração para não tropeçar nas próprias pernas.

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A noite escura impregnada por gélidos e cortantes ventos não causavam dano algum à silhueta masculina que permanecia há algumas horas, de frente ao bar observando todo o movimento.

Ele fora condicionado a enfrentar qualquer tipo de temperatura adversa. No seu trabalho as viagens eram constantes e para as mais diferentes localidades. Ele poderia passar a noite no Alaska ou o dia no Saara e sobreviver utilizando-se de técnicas sigilosas. Seu vigor físico era notável e suas habilidades faziam justiça ao seu trabalho.

Um assassino profissional, especializado em “queima de arquivo”. Algumas pessoas sabiam demais e incomodavam gente poderosa. Ele era o mediador entre as partes. Claro que a parte menos favorecida financeiramente acabava sempre eliminada.

O velho dentro do bar seria sua vítima esta noite.

Seu empregador dera-lhe ordens claras: gostaria de uma morte limpa, sem resquícios ou pistas fortuitas.

– Sem testemunhas ou falhas. Seu pagamento integral depende disso. – foram as palavras do empregador.

A porta do bar fora aberta. Era seu alvo que partia cambaleante pela rua.

O assassino saiu de seu esconderijo notando que tudo seria mais fácil nesta noite.

O homem, completamente bêbado, dava-lhe uma grande vantagem. Uma dose considerável de álcool no organismo humano é o suficiente para causar perdas importantes no sistema nervoso central. Estudos comprovam que um copo de bebida seria o suficiente para afetar algumas funções mentais como percepção de distância e velocidade.

Informações úteis para um matador profissional.

Movendo-se com grande destreza o assassino aproximou pela retaguarda. Seus olhos fixaram-se na vítima enquanto os outros sentidos se mantinham atentos em volta de seu perímetro. Os músculos contraídos estavam prontos para agir no momento certo.

Aproximar e surpreender.

Podia ouvir os passos da vítima e sua respiração.

E então, agiu.

Com grande velocidade atacou a vítima surpresa imobilizando-a pelo pescoço. Esta era uma técnica simples. Interromper as vias respiratórias até que seu oponente perdesse a consciência.

O homem tentou debater-se por um tempo, mas não tinha força suficiente para vencer seu algoz. Poucos segundos e o velho bêbado desabou inconsciente. Seu rosto chocou-se violentamente contra o chão provocando um corte na testa.

O assassino olhou em volta.

Ouvia apenas vozes vindas do bar. Ninguém se atreveria a sair naquela madrugada fria. Agachou sobre a vítima e a posicionou de costas no chão.

Com uma das mãos ele raspou o chão coberto por uma fina camada de neve até ajuntar uma pequena quantidade ao lado da vítima. Logo depois, abriu a boca do bêbado o máximo possível. Lentamente foi enfiando a neve amontoada pela garganta do velho até preencher cada espaço vazio.

Era sua técnica final.

A morte branca como é conhecida. Esta técnica consiste em bloquear a respiração do alvo até que este morra asfixiado. A neve iria interromper suas vias respiratórias tempo suficiente para mata-lo. Logo depois, o calor que do próprio corpo lentamente derreteria qualquer vestígio de neve em sua garganta.

Era a morte limpa que seu empregador queria.

Levantou e rapidamente começou a preparar o perímetro para dar a falsa impressão de um acidente. Logo estaria longe dali, numa ilha. Talvez Aruba.

Olhou novamente para sua vítima.

Numa fração de segundos, algo inesperado aconteceu. Sentiu uma dor aguda no ombro. Depois seu corpo foi atingido duas outras vezes: no tórax e na região posterior do crânio próximo ao osso occipital.

Antes que atingisse o chão, seu corpo estava morto.

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Beta-4 olhou pelo visor óptico de seu rifle com visão noturna.

Os três disparos foram precisos e seu alvo fora eliminado.

Missão executada. Seu superior havia ordenado uma morte a qualquer custo. Estava feito.

Suja, porém precisa.

Alguém tinha contas para acertar. Beta-4 era o cobrador e agora o saldo estava zerado. Ele pegou o celular e discou o primeiro número gravado em sua agenda.

- Está feito? – perguntou a voz rouca de seu superior.

- Feito. – respondeu secamente Beta-4.

- Seguiremos com o combinado. – disse a voz rouca antes de desligar.

Um leve sorriso brotou-lhe à face enquanto desmontava seu rifle. Poucas vezes Beta-4 se permitia sorrir como fazia agora. Enfiou a mão no bolso de sua blusa e retirou um cigarro do maço. Fumo árabe, muito raro. No bolso da calça conseguiu um isqueiro.

Tragou fundo.

Absorvia o momento de prazer que sentia a cada missão terminada com sucesso.

Pensou ouvir algo se aproximando, mas nada tiraria sua concentração.

O vento trouxe um odor estranho. Em seus treinamentos ele fora instruído para reconhecer cheiros, mas o cigarro lhe impregnava as narinas. Respirou fundo mais uma vez e então percebeu tarde demais que odor era aquele.

Suor misturado à vodka de péssima qualidade.

Uma mão pesada pousou sobre seu ombro esquerdo fazendo gelar seu abdome e tencionando os músculos.

Beta-4 soube que cometera um grave e fatal erro.

Entregue à seu destino relaxou os ombros e lentamente virou o rosto buscando visualizar seu executor.

Surpreendeu-lhe ver um velho barbudo maltrapilho encarando-lhe cambaleante dizer:

- Dá um trago, cara!

Beta-4 suspirou e deu o maço inteiro.

G Gonzalles
Enviado por G Gonzalles em 17/08/2009
Reeditado em 17/08/2009
Código do texto: T1759390
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