Radical Poder da Visão - LIA DE SÁ LEITÃO - 29/07/2007
Faz valer vontades quando se imagina ter o poder de decisão sem regatear a emoção junto à razão de ser. Assim sendo, depois do susto entre a vida e a morte, quem rodara há poucos instantes numa auto pista, deixava a adrenalina do momento e voltava a letargia, ao desleixo do pensamento, ao relaxamento dos músculos que insistiam contraírem-se pela adrenalina despejada no organismo devido ao medo invalidando o tempo de luz e o lusco fusco.
As luminárias da avenida acendem antes do horário, defeito na rede, mas ninguém percebe, todos preocupados com o limite e o tamanho do seu cordão umbilical, pouco preocupa a conta paga ao Estado de imposto, a quem reclamar? Absorto, o pensamento voa em bobices. Estaria enlouquecido o mundo ou todo mundo?
Caminhou até o lado oposto da sala de estar, tendo o velho amigo silêncio em companhia, parou diante da imensa janela de vidro que se abria para o Rio, lá estava em curvas, parecia uma sucuri deslizando uma charmosa transparência em direção ao mar lá ao fundo da paisagem invadia o ar.
Um olhar de dó navegava a extensão visível de um ponto a outro da cidade, sentia algo inenarrável, similar aquele sentimento de Rio agonizando.
Havia pago uma fortuna por metro quadrado daquela área nobre do bairro que já foi alegre, esfuziante, risonho aos gritos dos meninos das escolas circunvizinhas, era tão popular que se tornou marco histórico; lá no final da rua era preservada a vila dos industriários, colorida, junto ao enorme muro do que foi a industria de tecidos.
Estático o ser, olhava sem mirar a vista privilegiada da bela cidade, a parede divisória entre o luxo e o lixo, os espigões separatistas entre o concreto e a água, a lâmina dos vidros refletindo num pôr de sol apimentado permeando o cinza escuro das pistas e o verde musgo do manguezal, olhava o mundo e não via as cores da vida, aquilo tudo imiscuindo entre a leveza do que foi a natureza e a insanidade do homem.
Os carros passavam na velocidade limite das placas de trânsito, nenhum policial fiscalizava a Lua que corria prata em um lilás nordestinado.
Os bandidos a espreita dos moradores do prédio fronteiriço a delegacia escondiam-se por trás das frondosas matronas, assombradas de atléticas ventanias vindas dos mares do Norte.
Anoiteceu, os pés e as pernas do ser pareciam pilares cravados no tapete escarlate confeccionado à mãos com seus desenhados e arabescos próprio ao persa comprado na última viagem.
As luzes lá em baixo rasgavam mesmo que impotentes, a noite.
Os olhos olhavam todo aquele universo sem ordens para qualquer deslocamento da enorme janela, que mais parecia o espelho do velho farol sinalizando o mar da acrópole portuguesa assustada com as invasões.
Não mais o fogo neerlandês ameaçava as Igrejas ou ruas estreitas, mas o valioso dinheiro da Comunidade Européia, vilão atacando com ofertas fabulosas a compra da História das famílias tradicionais, as brincadeiras de roda, os bonecos, a roda da capoeira, entrudo, frevo de rua, a Semana Santa dos monges e frades, acompanhados por fileiras das irmandades expostas no roteiro turístico da Sexta Feira Santa, enquanto mulheres da confraria franciscana chupam pitombas ao lado do corpo do Cristo cai aqui, cai ali, deslizando nas pedras como os meninos do surf.