Um abismo chamado destino

Naquela relva cheia de insetos procriando a primavera de forma silenciosa, eu vi um pouco do pouco espaço belo da natureza, pequenas plantas que colocavam ares de aquarela naquele ambiente campestre.

Deitei no chão verde com almofada natural e deixei o corpo descansar por um instante, um momento se ampliou e tomou conta do que eu achava que era o ‘para sempre’. Um perfume de necrópole se arrastou de súbito até minhas narinas, o verde da relva (tão belo estava) foi contrastando com o ar diferente e amargo do ambiente. Pensei em levantar e averiguar, pensei em sair correndo e avisar algum órgão responsável. Pensei, pensei, pensei...

Pensei em fazer algum sinal ou qualquer outro tipo de comunicação, entretanto meus esforços estavam diretamente proporcionais à inércia, meus esforços estavam constituídos de outras leis físicas, algo incógnito para a minha compreensão até então.

Não sabia manipulá-los, uma prisão interior, uma paralisia intrigante, uma inanimação involuntária ou voluntária, estava em perfeitas condições físicas. Meu corpo estava em greve, o cinza do céu estava dialogando com meus olhos expelidores de lágrimas de areia. Entendi que determinados movimentos deixam de pertencer ao corpo quando deixamos de pertencer ao cotidiano existencial.

Resta assistir a derrota dos anticorpos que se rendem como um exército derrotado por uma força bélica maior, eles se ajoelharam ao tempo e a outro microcosmo biótico. Resta voltar ao pó, voltar para a vertigem que funde o início e o fim que brincam de pular corda com o cordão umbilical.

Os amigos não podem me reerguer porque existiu apenas a sombra do simulacro de uma suposta amizade e mesmo que ela existisse de fato não mudaria nada, os familiares estão separados por um abismo chamado destino, nada podem fazer, só podem fotografar essa lembrança e nada mais que isso.

O Nada se torna o preenchimento do vazio que ecoa nos meus pensamentos, minhas lembranças, reminiscências, tudo faz parte de um filme sem efeitos especiais e com uma filmagem antianestésica. A angústia ficou estampada na grama transformada pela nuvem cinza de incertezas.

A água que desce dos céus queima, com o ácido do sofrimento, os nervos que sustentavam minha esperança ou aquilo que achava que era esperança, quero me levantar contudo não ouço do poço de meus pensamentos: “ele vai conseguir”, não ouço o vazio que deixou apenas um espelho no fundo do inconsciente para me observar e dizer que sou uma mentira que habitava em algum lugar.

As botas rotas se desprenderam com uma agilidade que só o tempo sabe descrever. Meus dedos estáticos e esqueléticos continuaram a cortar o vento frio que cruzava aquele ambiente. Os olhos que vêem isso não querem andar mais nessa estrada. O vazio de saber que é desprezível fingir uma felicidade corta e enterra qualquer esperança. Por isso que a conjuntivite que habitava os olhos do amanhã, invadira meus olhos também, os horizontes foram rasurados pela linha que deixou a agulha que tecia o dia a dia.

O Nada tece o amanhã com linhas invisíveis que costuram a carne com arames farpados angustiosos que só sabem ferir sem cicatrizar.

George Ayres
Enviado por George Ayres em 14/08/2009
Reeditado em 02/10/2015
Código do texto: T1753202
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