Assassinato

Ele dormia no sofá, roncando indefeso, seu peito definido e nu subia e descia com sua respiração. Fazia algum tempo que meu vício não era alimentado. O vício de matar. Há cerca de dois meses eu vinha matando sem nenhum motivo, era apenas a vontade de ver a vida de alguém acabar e já fazia uma semana que não praticava meu delicioso hábito. Eu queria! Eu precisava ver o sangue vermelho e quente, senti-lo escorrendo entre meus dedos e talvez até bebê-lo.

Eu queria dizer-lhe adeus, afinal, eu tinha desenvolvido um sentimento de paixão por ele, mas eu realmente precisava disso. Durante o tempo que matei desconhecidos, ele esteve comigo, buscando as vítimas mais insignificantes e aqueles que não sentiriam saudades de viver. Ele era diferente. Tinha me ajudado, mas, em meu tempo de abstinência, ele insistia em parar com essas matanças e eu não conseguiria fazê-lo.

O desejo de matá-lo pulsou em minhas veias. Aproximei-me, sacodi seu ombro e ele abriu os olhos em resposta.

-Sim, Emily? – ele ainda estava sonolento.

-Queria te dizer adeus. – fui até a cozinha, a faca de churrasco pousada na mesa. Por quantas vezes a usamos? Peguei-a com receio.

-Como assim? – ele se assustou e sentou-se no sofá, olhando-me com os olhos arregalados de medo. Era delicioso ver a expressão de medo em sua face, um verdadeiro elixir da vida.

-Eu preciso fazê-lo! – comecei a me aproximar do sofá lentamente com um sorriso calmo.

-Fazer o que?

-Ver sua vida escorrendo por uma ferida aberta! – meus olhos brilharam com a idéia.

-Não faça isso! Eu te amo!

-Ótimo argumento. – sentei-me perto dele ainda segurando a faca. – Mas, eu não agüento mais!

Cravei a faca em seu peito e ele gritou de dor. O sangue começava a escorrer quando arranquei a faca, ele se debruçou e me beijou pela última vez e pude sentir o gosto de sangue em seus lábios. Ele se afastou com os olhos semi-abertos.

-Adeus, Emily. – murmurou. Levaria tempo até morrer e então, fechou os olhos.

Passando os dedos em seu sangue que escorria lentamente, senti o cheiro doce e era como uma anestesia por todo meu corpo. Senti-me entorpecida.

-Adeus, Gary. – disse, lambendo os dedos, estava entrando em êxtase.

O sofá começou a ser inundado por seu sangue enquanto, eu bebia o suco do diabo, a essência de meu amado. Amado. O que eu estava fazendo? Meu consciente voltou ao normal e então abracei o corpo, já pálido, de Gary. “Emily, o que você fez?” Pensei, “eu realmente me odeio!”. Senti-me sem razão para continuar, sem razão para continuar matando. Todo meu desejo dos últimos meses se foi com ele.

A faca, sobre meu colo, estava manchada de sangue e passava o líquido para minha calça jeans. O que seria de minha vida sem ele? Como eu pude fazer isso?

Soltando-o, ele caiu no encosto do sofá morto. Segurei a faca perante meus olhos. O sangue morno escorria. Eu merecia morrer! Eu precisava morrer para ficar com ele e lhe pedir perdão pelo meu ato desumano! Voltei a cada um de meus assassinatos. O que eu fiz? Matei pais, mãe, irmãos, irmãs, filhos e filhas. O sentimento de culpa me fugiu do controle como o desejo de matar fugira há poucos minutos.

Cravei a faca em minha barriga. Meu sangue escorreu e a dor era, simplesmente, perfeita, deliciosa e satisfatória. Como uma leve tortura. Fechei os olhos e joguei-me no tapete.

Por fim, voltei a olhá-lo e, para meu espanto, ele se levantou do sofá e estendeu a mão para mim com um sorriso cálido.

-Vamos. –ele disse. – O inferno nos aguarda!

Leticia Dias
Enviado por Leticia Dias em 12/08/2009
Código do texto: T1750916
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