Tia Augusta
Era assim: Ela ficava debruçada à janela sempre na parte da manhã.Aos domingos, principalmente, estava sempre lá.Com os olhos atentos,a absorver a vida que trancorria nas ruas, o ir e vir dos fiéis que retornavam das missas, com suas roupas de ver Deus.Era nesse burburinho dominical que ela desfranzia um pouco o cenho e esboçava um leve sorriso quando reconhecia entre os transeuntes alguém.

E era nesses momentos que o olhar arguto da minha tia caía sobre mim.Todos os domingos, por volta das dez horas, lá ia eu, com meia dúzia de colegas entre sete e dez anos, rumo ao catecismo que acontecia no salão paroquial.E todas as vezes que passava pela janela da tia Augusta, o mesmo acontecia.Ela esticava a mão e dizia o mais alto que podia: Menina, vem cá!E se ela chamava, não tinha remédio, tinha de atendê-la.Deixava o meu bando e adentrava a casa.Já sabia o que ela queria.Com seu jeito meio desajeitado, me abençoava e me levava até a cozinha.Lá abria uma lata onde guardava uma deliciosa quitanda e enchia as minhas mãos.Depois só dizia:É pra você comer depois do catecismo.Agradecida, pedia novamente a bênção e saía, não antes de correr os olhos por toda a casa tão sisuda quanto a própria tia Augusta que, com seu jeito de pouquíssimas palavras e olhar duro e rosto sempre fechado, morava sozinha e afastava todo mundo do seu convívio.A criançada então tinha muito medo dela.Engraçado que eu, apesar do medo, tinha carinho por aquela senhora tão solitária e tão enigmática.E parece que ela conseguia captar essa minha simpatia, pois não perdia a oportunidade de convocar-me para uma chegada rápida a sua casa.Na verdade o seu chamado era uma ordem, pois ninguém na família ousava contestar a Tia Augusta.

Ao ganhar novamente a rua e me juntar às minhas amigas, sentia um misto de alívio e alegria.Aliviada por sair daquela casa escura e um pouco assustadora , alegre por perceber naquela senhora uma ternura, um rosto mais suave que poucos conseguiram apreender.Ela era à sua maneira uma bondosa e terna mulher, apesar de toda a fama de durona que a vida lhe atribuíra.

Hoje, quando passo por algum lugar de casario modesto e vejo alguma pessoa debruçada à janela, com o olhar atento ao bulício das ruas, logo me vem à mente a figura imponente e austera de minha querida Tia Augusta.
amarilia
Enviado por amarilia em 12/08/2009
Reeditado em 03/02/2013
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