Ode ao Fracasso ou Memórias de um Lar
Ainda lembro daquela visão macabra que tive ao pespencar do que, por toda a minha vida, havia sido meu firmamento. Toda a lucidez que tinha ou pensava ter esvaiu-se por entre meus dedos no momento derradeiro. Eu, filho da inteligência humana com o concreto, tive meu parto feito pelas mãos calejadas de miseráveis pedreiros. Sim, este sou eu. Uma casa, um abrigo, um lar.
Todos aquelues seres que abriguei por tanto tempo dentro de mim - entre minhas pernas - por julgá-los tão frágeis demonstraram não ser exatamente o que pensei. Humanos desprezíveis aqueles que mamaram em minhas tetas e tiraram-me a vida. Todo o conforto e segurança que um dia pude dar-lhes converteu-se nessa violência sem motivo aparente.
Ao ver os cães negros - agouro de minha morte - aproximando-se com destruição em suas mãos não tive o discernimento necessário para entender o destino que a mim foi confiado. eles espreitavam-se e eu, por desconhecer o que estava a me esperar, não temi. Ao vê-los espalhando os sopros de morte por dentro e em volta d mim pude entender o que se passava. Aqueles seres que, por todo meu viver, abriguei haviam se voltado contra mim e agora estavam a promover o meu final. Humanos! Essas criaturas foram o signo de minha geração e meu falecer. Não sei ao certo de onde vem a ingratidão - de mim ou deles -, mas percebo que meu perecer está por vir. em poucos instantes os sopros de morte se tornarão gritos e criarão a histeria que irá derrubar essas quatro paredes vermelhas e surpreenderá, mostrando algo notável não por ser novo, mas sim, como já foi dito um dia, por ter permanecido oculto, revelando-se, então, óbvio.