CRIME PERFEITO

Ontem enclausurei, de fato, o seu corpo. Cruzei a linha tênue do meu egoísmo com um punhal quente e pontiagudo. Vaticinei sua carne com um amor juvenil e feroz.

O desejo, antes suculento, apenas tornou-se indomável; servi-me da mácula canibal, alçando nela o instinto animalesco que agora mantenho irrefreável. A prova do meu delito está na parede, nos lençóis da cama e ainda mais vivo, nas roupas suadas pela luta comovida da sobrevivência.

Socorro!!! Ela evoca a clemência que não existe mais em mim. Estou furioso! Estou sedento pelo andar que inspira paixão, por sua boca que aguça a loucura que me desnorteia; pelo seu sexo que me encoraja o sangue da virilidade. O meu instinto não é piedoso, tampouco a gana que, naquele momento, explodiu.

No lugar da pele aveludada só há marcas e um marfim ofuscante. É interessante o cheiro de camomila que tanto me excitou fazer-se agora igualmente intenso. A fome me consumiu e a complacência que antes jurei, transformara-se num desonesto apego pelo seu nome. Ela é minha. Seu grito ainda ressoa em meus ouvidos e trago marcado em minha pele a força que depreendiam suas mãos, desde o mais bravo movimento até o derradeiro e mortiço toque.

Daquele jeito me saciou. Carrego a prova de uma ânsia que já fora aplacada. A cama que minutos antes compartilhávamos, está ocupada pela sombra do fulgor que não contive. No entanto, tive prazer... O prazer que releguei a mim. Seus olhos quando se fecharam e seu grito, antes de tudo silenciar: completo. Que tolice, minha mão direita ainda mantém o punhal em sua posse como na noite passada.

Registro aqui minha imprudência desregrada, minha tormenta avassalada por um ímpeto que, dentro da pura magnificência, não passava de amor.

As treze perfurações em seu corpo esguio e rijo fizeram-me regozijar. Não me permiti sequer ser comedido, e também, não seria próprio do ato. Extenuei-me. Neste instante consigo aspirar o ar que anteriormente se esquivava. Sinto-me calmo e tenramente alvo. Mas eles batem na porta do quarto onde nós estamos e cospem ordens na fechadura; então me vejo sem saída. A sensação de impotência novamente me enegrece, punge-me além das treze perfurações. Eles me advertem, contudo não há mais nada a fazer. Como alguém consegue embaraçar-se em quatro paredes? Sinto um frio lancinante ao vê-la ali, sobre aquela cama, e eu sentado à frente, desolado, inerte...

Um estampido rompe a porta e meu delírio, enquanto eles a sobrepõem... Somente fecho os olhos e aguardo. Com as mãos cobertas por um sangue já seco, aperto ainda mais o punhal até se aproximarem. Nisso, abro os olhos e retorno de uma sonolência dissimulada com minhas mãos limpas. Ao meu lado, ninguém! Num sobressalto levanto, preparo o café e em seguida me auto-congratulo, pois estou livre e satisfeito. Na casa, sozinho. Amortizei o imediatismo da loucura com um crime, de fato, perfeito.