O REENCONTRO




Encontraram-se, por acaso, na livraria predileta dela. Os olhares e o silêncio falavam sobre o que havia sido interrompido.

 Julia preferiu não prolongar o vazio:

 - É você mesmo...

 Maurício não respondeu. Ela insistiu:

 - Quanto tempo, meu Deus! 

 - Deus deve ter senso de humor. Tantos anos sem nos encontrar e esbarro em você justamente numa livraria!

 Julia riu: 

 - Você não mudou nada.

 Maurício retribuiu o sorriso:

 - Não vamos falar sobre isso, parados aqui na porta. Nosso reencontro merece um brinde.

A mulher apontou o céu sem nuvens:

- Manhã de sol, brindaremos com água.

- Água? Pelo jeito, invertemos.

- Ai! Ai! Ai! Lá vem você!

- Eu preferia outro tempo. Passamos do vinho para água.

Sorriram como um casal que se esconde na ironia. No bar ao lado, escolheram a mesa mais discreta. A conversa percorreu anos em minutos. O assunto inevitável veio antes da segunda garrafa de água mineral:

 - Soube que você tem uma netinha.

Julia assentiu e olhou-se no espelho atrás da mesa. Observou seus cabelos desalinhados e o rosto sem maquiagem. Teve vontade de voltar no tempo. Quando se deu conta, disse:

 - Queria estar mais bonita, mesmo para uma avó!

 - Você sempre se preocupou tanto com isso. Afinal, o que é beleza, Julia?

Ela respondeu sem titubear:

 - Catherine Deneuve.

 - Hora da aterrissagem, minha querida. Seja mais possível.

 - Respondi tua pergunta, ora!

 - E de onde vem a beleza?

 - Ah! Esta é uma pergunta difícil. Depende.

-  Rodeios perdem o encanto depois de um certo tempo.

A mulher sorriu e disse:

- Você sabe tanto quanto eu: dos encontros.

Maurício não relutou. A pergunta o perseguia:

 - Como teria sido nossa vida?

Julia permaneceu em silêncio. Pensou no peso da ausência dele contrapondo-se à mornidão de seu casamento.

Ele retomou a pergunta:

- Você não pensa sobre isso?

- Todos os dias.

- Então, por que renunciou?

- Vou te decepcionar outra vez.

- Deixe que eu decida o que vou sentir. E pare de temer tanto este confronto. Não sou um terrorista. Não precisa fugir, como fez há mais de dez anos atrás.

Julia sentiu um nó na garganta. Bebeu um gole de água que parecia sólido. E enfim, a resposta:

- Queria ter um motivo nobre. Algo que justificasse desistir do melhor encontro que a vida me ofereceu, mas você quer tanto saber a verdade. E a verdade é ridícula. Pura covardia. Sem atenuantes. Mereço a pena máxima?

 - Por ser humana?

Julia sentiu-se acarinhada pelo tom enternecido e prosseguiu:

- Até sorrir sem você é difícil. Muitas vezes sinto que sou uma canastrona tentando iludir a mim mesma porque as pessoas próximas, eu sinto que percebem, mas fingem ser coisa da idade. Afinal, agora sou avó. 

- Ser avó virou sinônimo de uma mulher sem vida?

Julia fixou o olhar no copo com água. Invejava o talento das atrizes de cinema, resistentes à mais cruel aproximação da câmera. Muitas vezes, evitava observar as vitrines para não correr o risco de perceber sua imagem no vidro. 

Maurício era capaz de entender. Uma compreensão triste e ressentida por tudo que ela não se permitiu. Tanto tempo (e feridas abertas depois), uma força os mantinha em movimento sem alterar seus destinos. Ele a tocou com suavidade e disse:

 - Gosto de você por inércia. Nada detém meu afeto. 

 - Nem a minha covardia? Eu sei como você detesta gente assim.

 - Nem isto.

 Julia bem que tentou demonstrar o mesmo, mas sua covardia era
estranhamente forte:

 - Vamos brindar ao nosso reencontro ou à inércia?

Ele sugeriu:

 - Que tal à beleza?

 Naquele instante, a mulher exibiu a mesma expressão de encantamento que o fez recordar as razões que o levaram até ela. E, inesperadamente, Julia fez um pedido:

 - Este brinde é meu. 

 Maurício consentiu e ao som dos copos que se tocavam, ela propôs:

 - À fragilidade de quem ama.






(*) Imagem: Google


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Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 03/08/2009
Reeditado em 28/06/2011
Código do texto: T1734586
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