Diário de um extraterrestre

(01/08/09)

Pois bem, nova missão: estudar os hábitos de acasalamento da espécie homo sapiens no planeta Terra.

Incorporado em novo corpo. Unidade água-carbono. Deixa eu ver no manual: Ok, pequeno apêndice pendendo entre as pernas, mais embaixo invólucro de tecido epitelial contendo duas gônadas. Certo, gênero masculino. Ai, droga, serei o responsável pela iniciativa do acasalamento.

Destino: planeta Terra, coordenadas geográficas terrestres com Latitude 10° 54' 40'' S, Longitude 37° 04' 18'' W e Altitude 4 metros acima do nível médio dos mares. Hora local 22:16. Então vamos escolher o local de contato. Algo genericamente designado como “balada”. Então vamos lá. Materialização do veículo de propulsão à combustível fóssil.

Ok, meus sensores indicam que o local fica logo ali. Primeira a direita. Logo vejo uma unidade água-carbono acenando com um pequeno pedaço de fibras de carbono conhecido como pano ou flanela. Talvez esteja me desejando boas vindas. Não, há mais dois ou três agitando freneticamente seus respectivos pedaços de pano, surrados e sujos. Resolvo parar próximo àquele que possui a menor quantidade de dentes. Ele sorri com sua gengiva rosada, dezoito dente acinzentados e diz algo que o meu tradutor universal entende como sendo português: “Tá na mão ai, patrão”. Meu tradutor universal trava, já que a frase não faz o menor sentido. Maldita Microsoft!!! Aceno afirmativamente com a cabeça, apesar de não ter entendido nada.

Consulto novamente o manual online: comprar a entrada. Ok, identifico o local designado como guichê. Existe uma pequena fila no local. Entro na fila atrás de uma unidade água-carbono que parece ser do sexo feminino. À sua frente uma unidade água-carbono do sexo masculino discute com a moça do caixa. Palavras incompreensíveis: cartão de crédito, erro, não funciona, cartão bloqueado, falta de crédito, campos eletromagnéticos anômalos interferindo na transação. Algo intitulado “barraco” começa a ocorrer. Duas unidades carbono vestindo preto aparecem e o “barraco” se desfaz.

Consigo entrar no recinto. Vejo que todas as pessoas estão ingerindo líquidos à base de água, açúcares e etanol. Resolvo ingerir tal beberagem. Alguns cálculos mentais e verifico a vantagem financeira em comprar uma garrafa de uma substância líquida e amarronzada, que as pessoas insistem em dizer que é vermelho: é Red pra cá, Red pra lá. Ok. Vou de Red também. A moça oferece um outro Red que vem em uma lata azul para acompanhar. Encho o copo com o Red marrom e com o Red azul, mais uma porção de água, em estado sólido. Complicado! Espero ter acertado as proporções.

Sem perda de tempo me concentro no objetivo primário da missão: estudar hábitos de acasalamento. Me aproximo de uma unidade água-carbono que, a julgar pelo volume da glândula mamária, tamanho dos quadris, pintura tribal nos olhos e lábios e pelas demonstrações de equilibrismo sobre os saltos dos sapatos exageradamente altos, trata-se de um representante do sexo feminino. Tento estabelecer uma conversação amigável, dizendo que sou do planeta Delta Ômega 33, mas não consigo ir muito além disso. A moça me olha com tremenda cara de desprezo, vira as costas e vai embora. Aliás são duas coisas que realmente me fogem à compreensão: qual é a técnica apropriada para aproximação das unidades água-carbono do tipo mulher e porque os planetas são designados por letras gregas, já que nenhum grego nunca foi ao espaço e não há alienígenas gregos. Eu não sei nem o que é um grego...

Resolvo mudar a abordagem e observar o comportamento de outros casais. Logo ali, uma moça passa delicada e vagarosamente o dedo sobre o peito de um rapaz, enquanto conversa com ele. Pode ser isso: o estabelecimento de contato manual com as glândulas mamárias é o indicativo da intenção de acasalar.

Abordo uma outra moça de glândulas mamárias avantajadas. Digo um rápido “oi” e toco em seu bojo. Recebo um golpe certeiro na protuberância nasal. Ainda desorientado recebo novo golpe que causa uma sensação extremamente desconfortável nas gônadas e abdome, que me obriga a sentar no chão, levar as mão entre as pernas e emitir grunhidos estranhos. Há algo errado com a minha técnica, já que nenhum outro macho da especie assumiu tal comportamento.

Resolvo observar mais um pouco a dinâmica comportamental antes de uma nova investida, já que a última se mostrou bastante dolorosa. Alguns machos observam as fêmeas à distância. Estas fingem não estar olhando para eles. De repente, sem nenhum estímulo aparente o macho irrompe em direção a uma fêmea específica. Trocam um número não determinado de palavras, dão algumas risadas. Separam-se e o ritual recomeça. Será que já acasalaram? Não, acho que não. O manual citava, de forma específica, uma troca de fluídos.

Algumas mulheres exibem parcialmente suas glândulas mamárias, outras grande parte de suas pernas. Umas ajeitam freneticamente suas protuberâncias capilares inseridas no alto da cabeça. Outras sacolejam o corpo ao ritmo da batida sonora com 100 decibéis de intensidade que sai de caixas pretas dependuradas nas paredes. Vez por outra estas mesmas moças olham ao redor para certificarem-se que sua dança está sendo notada. Mas, via de regra, apesar de interessadas, fingem ignorar qualquer macho da espécie.

Os rapazes permanecem afastados, todos com seus pequenos vasos cheios de diversas beberragens etílicas à mão, recostados na parede ou em pequenos grupos.

Não compreendo a lógica do ritual. Minha cabeça está rodando. Tomo o último gole da bebida marrom da garrafa. Meu estômago rejeita a beberagem e devolve-a em um grande jato líquido. Já vi outros humanos fazerem isso nestas “baladas” de acasalamento. Quando começo a pensar que estou no caminho certo, dois humanos de porte avantajado e vestidos de preto convidam-me a deixar o recinto. Não compreendo o porquê, já que estava fazendo progressos, mas percebendo minha relutância, um dos indivíduos me estimula com um movimento rápido que liga uma campainha em meus ouvidos.

Já do lado de fora, procuro minha unidade de propulsão á combustível fóssil. Realizo a ignição e inicio meu deslocamento. Sem qualquer motivo aparente, uma unidade aço-concreto, apelidada de poste, aparece desgovernada em frente ao meu veículo de propulsão à combustível fóssil. Tento desviar, mas o poste reage mais rapidamente. Colisão iminente!!! Choque. Pessoas se aglomeram em torno do local, mas ficam apenas à observar. De repente aparecem luzes vermelhas e azuis. Unidades água-carbono uniformizadas, auto-intituladas “polícia” me oferecem um canudo anexado a um aparelho para que seja soprado. Parece ser algo que irá eliminar o etanol do meu corpo. Porém muito antes que o etanol seja totalmente drenado as unidades policiais removem o canudo da minha boca e começam a gritar palavras desconexas: Dirigir embriagado, contravenção, crime e PRISÃO!!! Opa, prisão não! Não posso ser capturado.

Abortar, abortar, teletransporte, teletransporte agora!!!

Mais uma missão fracassada. Espero não haver outras. Pelo menos não na Terra

Oh planetinha difícil...