A CIDADE INVISÍVEL

A criança estava no seu leito de morte enquanto os pais na única igrejinha da cidade imploravam a Deus pela vida da filhinha ainda pagã. Uma velha benzedeira se contorcia em bênçãos, chás e ramos de arruda para afastar aquele mal olhado ou coisa parecida. Os pais então apelam para a uma promessa a Santa Mãe de Deus. O pai concentradíssimo fazia a sua negociação com a santa sem que sua mulher tristemente abatida soubesse, e que inclinada, aos prantos também dirigia à santa o seu desejo em forma de promessa. A imagem no alto de um altar de madeira decorado com rosas vermelhas parecia acolher as preces daqueles pais abatidos, mas confiantes por uma graça dos céus. Quando deram por si tinham feito duas promessas diferentes. Queriam os pais dar um nome a filha que lembrasse aquele momento de fé, de oração a Deus no dia de seu batismo. O pai escolhera o nome de Vitória e a mãe o de Esperança. O impasse começou a ganhar a forma de uma discussão familiar sem precedentes. Esqueceram a própria filhinha doente enquanto discutiam sem conseguirem chegar a um consenso. Tudo estava quase resolvido quando optaram por dar nome à criança entregue nas mãos de Deus de Vitória Esperança como queria o pai, mas a mãe queria o contrário, Esperança Vitória. Os interesses pessoais passaram então a falar mais alto e desta forma o problema ficava cada vez mais longe de uma solução. Como nestas cidadezinhas do interior, o vigário só vinha uma vez por mês para ministrar a santa missa e os sacramentos àqueles devotos e fiéis cristãos, somente ele poderia resolver esta pendenga entre o humano e o divino.

Com a presença do vigário para a surpresa de todos, as coisas ficaram piores, pois não conseguia que o pai cedesse em sua promessa como também a mãe. Então decidiu batizar a criança somente na presença dos pais e padrinhos, omitindo o nome dela enquanto derramava a água sobre sua cabeça. Quando souberam que o vigário havia dado o nome de Maria das Dores à criança enquanto a batizava em homenagem a santa, não só os pais como a cidade toda estava indignada. Sentiram-se traídos e desgraçadamente falsos e mentirosos diante da santa. Nunca mais poderiam pedir nada a ela. A revolta e as ofensas foram tão grandes naquele dia, que o vigário quase fora linchado. Sacudiu a poeira de suas sandálias, subiu em seu cavalo e naquele fim de tarde de um sol belíssimo de primavera, rogou sobre a cidade uma praga que mais tarde a tornaria uma cidade invisível no mapa e na lembrança daqueles cidadãos desafortunados. Com os olhos fixos e enfurecidos o vigário disse: “a partir de hoje esta cidade há de se tornar um criadouro de cabras, cabritos e burros”. A profecia com o tempo se confirmou. A antiga cidadezinha hoje não passa de uma bela fazenda onde cabras, cabritos e burros pastam felizes em meio às ruínas consumidas por um vasto capim verde.

Adhemir Marthins
Enviado por Adhemir Marthins em 31/07/2009
Reeditado em 01/08/2009
Código do texto: T1730070