Um dia no “Parque dos Falcões”

Introdução

Quem passa pela BR 235, em Sergipe, no km 46, no sentido Aracaju-Itabaiana, logo após o Município de Areia Branca, no povoado Gandu II, olhando para seu lado direito, vê a bela paisagem da face oeste da Serra de Itabaiana.

Vendo aquela paisagem não se imagina que, no pé daquela escarpa, que parece indicar o caminho entre a terra e o céu, se encontra o Criatório Conservacionista da Fauna Silvestre Nativa - ““Parque dos Falcões””.

Situado em área de influência do Parque Nacional Serra de Itabaiana, o ““Parque dos Falcões”” se destaca como entidade preservacionista do Brasil por ser o único centro de criação, multiplicação e preservação de aves de rapina da América do Sul.

Lá tem belos falcões, belas corujas, tem seriemas, urubus, gaviões.

Lá tem demonstração de vôo.

Tem demonstração de adestramento.

Tem trilha na mata.

Lá tem muita coisa bonita.

Tem trabalho.

Tem amor.

Tem natureza.

Tem amor à natureza.

Mas nem só de aves de rapina se constitui o ““Parque dos Falcões””.

Conversando com os dois dirigentes do criadouro conservacionista, Percílio e Alexandre, sabe-se um pouco da história do “Parque dos Falcões”, das belas histórias e exemplos de preservação que acontecem por lá.

Para se saciar das histórias de dedicação ao meio ambiente, talvez apenas as histórias pessoais de Percílio e de Alexandre já fossem o suficiente.

Ouvir Percílio falar sobre o ovo de falcão que ganhou de um caçador, pai de um colega de escola primária, quando tinha apenas oito anos de idade, é curioso.

Saber que ao invés de destruí-lo, como normalmente fazem as crianças, teve sensibilidade e sabedoria para pô-lo sob uma galinha para chocar e ver nascer um pintinho de gavião, já demonstra o que é uma rica história de compreensão ampliada de mundo.

Uma rica história de uma criança que já compreendia a importância da preservação das espécies.

Apenas esse relato já daria uma bela história de preservação.

Ouvir Alexandre contar da ave de rapina que ele, aos 13 anos, retirou das mãos de colegas adolescentes, levando-a para casa para criá-la, também daria uma bela história de preservação.

Falar do feliz acaso de Percílio e Alexandre se conhecerem, morando o primeiro em Areia Branca (SE) e o segundo em Aracaju (SE), por intermédio de uma matéria em jornal do Estado, tornarem-se amigos e passarem a somar esforços em benefício da vida animal, daria uma bela história de amizade e união pelo meio ambiente e preservação.

Viajo junto nos sonhos deles e imagino que todas essas histórias dariam belas histórias, dariam belos roteiros cinematográficos.

Imagino a imagem do vôo de um falcão contrastando com o céu azul do agreste no verão de Sergipe, tendo ao fundo a encosta íngreme da Serra de Itabaiana. Talvez essas histórias fossem sucesso de bilheteria sob as mãos hábeis e o olho clínico de roteiristas e diretores de primeiro mundo.

Seria uma bela história.

Seriam histórias de vida.

Seriam fortes histórias de amor à natureza e à vida animal.

Acorda Raimundo.

Você está no Brasil.

Está no Nordeste.

Sergipe.

Interior de Sergipe.

Itabaiana.

Está em um pequeno povoado entre Areia Branca e Itabaiana.

Isto consola?

Apenas consola, porque não mostra tudo o que é o “Parque dos Falcões”.

Percílio e Alexandre têm muito mais a contar sobre preservação e meio ambiente e sobre a experiência de conscientizar a população do povoado Gandu II no como preservar a natureza e o meio ambiente.

Tudo isso é traduzido na prática ambiental de Alexandre e Percílio e no ato de ensinar a não caçar, a não tirar lenha da mata, a não fazer queimada no mato.

A experiência “Parque dos Falcões”

É bom conversar com Percílio e com Alexandre sobre suas experiências.

Experiência!

Essa é a palavra.

Uso a palavra experiência porque eles não têm um projeto normatizado, institucionalizado.

Eles não se preocuparam em primeiro amontoar tinta em um papel calado que, mudo, aceita palavras e imagens impressas ditadas pela ordenação burocrática.

Eles priorizaram a “experiência” prática de educar para o meio ambiente.

Num processo de educação espontânea, permanente.

Trataram o processo de educar como uma ação parceira, construída com as quatro mãos dos que vivem e dirigem o “Parque dos Falcões” com os mais de 200 pares de mãos adultas dos que moram no Povoado Gandu II e imediações.

Realmente, para que escrever um projeto que nunca foi escrito se ele está sendo escrito nesse momento, se ele é escrito diariamente no dia-a-dia da comunidade onde ele se insere?

Ele é escrito a cada dia em que não se ouve o bater de um machado cortando.

Em que não se escuta o barulho de uma árvore caindo ferida ou morta.

Em que não se ouve o crepitar de uma chama acesa por acaso ou intencionalmente na mata.

Em que não se ouve o latido de um cão de caça, em que não se vê o brilho do fogo, não se ouve o estampido de um tiro ou não se sente o cheiro da pólvora queimada das armas de caça.

Em que nenhum animal silvestre é abatido por mãos caçadoras.

A cada dia esse projeto é iniciado e completado pois, a cada dia sem morte de animal silvestre ou de árvore derrubada, ele renasce para ser escrito novamente a partir de uma nova página em branco.

Vida!

Vida animal!

Vida vegetal!

Esse é o resultado do projeto.

Esse é o sucesso da experiência.

Tudo começou quando o ““Parque dos Falcões”” se instalou em uma chácara adquirida por Percílio e Alexandre.

Para lá eles foram.

Para lá eles levaram algumas das aves possuíam.

Ainda levam aves para lá.

Agora e o IBAMA que leva aves para lá.

Na época, adentravam pela chácara pessoas armadas para caçar no Parque Nacional Serra que de Itabaiana.

O povo da região é pobre.

Nem sempre tem ocupação, renda alimento.

Por lá saía lenha para ser queimada nas cozinhas da região.

O povo de lá é pobre.

O gás para o fogão custa caro.

A fiscalização do IBAMA era pouca para a área total do Parque Nacional.

Era um fato.

Alguma coisa precisava ser feita.

O que fazer?

Em face da índole pacífica de ambos não restava outra alternativa.

Conversar.

Tentar conscientizar.

Procurar identificar as causas do porquê aquela gente caçava.

Porque eles tiravam lenha?

Perguntavam.

Porque eles tiravam lenha?

Se perguntavam.

Era necessidade.

Respondiam.

Era necessidade.

Se respondiam.

Necessidade!?

Merecia punição a necessidade?

Mereciam ser punidos os famintos pelo crime de ter fome?

Mereciam ser punidas as donas de casa pelo crime de serem pobres?

Pelo crime de colocarem comida para cozinhar no fogão à lenha!

Algo precisava ser feito.

Como conciliar a preservação do meio ambiente num local de gente carente?

Conversar.

Conversar eles já conversavam.

Viviam a conversar.

Já tinham identificado as prováveis causas dos crimes ambientais de caçar e tirar lenha.

Era começar a trabalhar e ... conscientizar.

Reduzir a necessidade.

Eis as respostas a que chegaram.

Conversar com os caçadores e com os lenhadores era uma forma de iniciar um trabalho de conscientizar.

Mas a necessidade das famílias ia permanecer.

Como resolver?

Conversar com os donos de propriedades rurais e outras empresas da região.

Era uma opção.

Arranjar trabalho.

Possibilitar renda.

Era uma solução.

Conscientizar que o tirar lenha tirava os abrigos das caças.

Era a conscientização de hoje.

Conscientizar da inutilidade de caçar hoje sem previdência para o amanhã.

Era outra a conscientização de amanhã.

Era trabalhar e atingir o lado egoísta dos moradores da região.

Era mostra-lhes os ensinamentos das abelhas e das formigas.

Ensinamentos da natureza.

Era mostrar-lhes a necessidade de pensar o amanhã.

De prover o amanhã.

De saber que caçar não era solução para esse amanhã.

Era ocupar o tempo, hoje, numa atividade que lhes tirava a comida do dia seguinte.

Era preciso ensinar a criar.

Era preciso conscientizar que eles poderiam criar animais como fonte de alimento.

Era preciso prover as famílias de pequenos animais para que elas, tendo o que comer, não precisassem caçar.

Era mostrar-lhes que eles eram animais racionais, não irracionais.

Era demonstrar à sociedade que meio ambiente não se faz com fome.

Que meio ambiente se faz com consciência e parceria.

E mostraram.

O Resultado

Há mais de um ano, na região do Povoado Gandu II, não se escuta o bater de um machado cortando, não se escuta o barulho de uma árvore caindo ferida ou morta, não se escuta o latido de um cão de caça, não se vê o brilho do fogo, não se escuta o estampido de um disparo, nem se sente o cheiro da pólvora queimada das armas de caça. Há mais de um ano, na região do Povoado Gandu II, animal silvestre não é abatido por mãos caçadoras.

Há mais de um ano o livro em branco, com registro da morte de animais silvestres ou de arvores derrubadas, não é tingido de vermelho.

Vida!

Vida animal!

Vida vegetal!

Esse é o resultado do projeto.

Esse é o resultado da experiência.

Um Final Feliz

No final de 2004 um incêndio, de origem desconhecida, queimou, aproximadamente, 200 ha da área do Parque Nacional Serra de Itabaiana, em Sergipe.

Nessa ocasião se ouviu o crepitar de chamas na mata.

Nesse incêndio, muitos animais silvestres foram sacrificados.

Muito da vegetação foi prejudicada.

Se a origem do fogo foi acaso ou crime não importa ao pessoal do ““Parque dos Falcões””

A causa do incêndio interessa ao IBAMA.

Interessa à policia.

Importa ao pessoal do ““Parque dos Falcões”” que a área atingida está em rápida recuperação vegetal e animal.

Uma recuperação acelerada.

Viva.

Com certeza com mais facilidade e vigor pois, apesar do incidente, a Serra tem possibilidade de convalescer e sobreviver, e isso se deve, em grande parte, ao trabalho de conscientização para a preservação desenvolvido pelo pessoal do ““Parque dos Falcões””.

Talvez sem o trabalho o deles, somado ao de anônimos de outros do Povoado Gandu II, a natureza convalescente da região fosse a óbito.

Apesar do incidente, comemoramos.

Os focos de incêndio que aconteciam freqüentemente na área do Parque Nacional não são mais freqüentes.

As nascentes da Serra já se tornam caudalosas.

Lá a natureza não mais se vinga com enxurradas.

Não mais chora em fios d'água.

Na Serra de Itabaiana a natureza brilha com o verde úmido da vegetação e encanta a todos com o som do caudal dos riachos que descem as encostas fazendo sinfonia batendo nas pedras.

Olho para Percílio e Alexandre.

Seus olhos brilham.

Voam longe em pensamento.

Voam alto em sonhos.

Voam alto em sonhos de falcão.

O parque vive.

Aracaju, setembro de 2006

Raimundo Campos

RAIMUNDO CAMPOS
Enviado por RAIMUNDO CAMPOS em 30/07/2009
Reeditado em 29/12/2009
Código do texto: T1727023
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