A sede

Trouxe a água para mais perto, era uma sede que nada saciava. Sorveu em grandes goles, inundou-se por dentro, mas a sede continuava. Que sensação era aquela? É sabido que, à noite, todas as nossas angústias se fortalecem e se multiplicam como amebas, mas o que ela sentia agora era novo e sem precedentes em sua vida.

Deitou-se novamente, mas lembrou-se do conselho de uma amiga insone e acendeu o abajur: na companhia da insônia, não tente dormir. Leia, faça palavras cruzadas, assista à televisão, faça qualquer coisa, menos lutar contra ela; seja, ao invés disso, sua companheira.

Assim, de mãos dadas com a insônia, ela se sentou na cama, luzes acesas, e ficou tentando entender o que sentia. Aquela sede era diferente, dava um frio constante no estômago e trazia pensamentos obscuros. Nunca havia sentido nada parecido, nenhuma sensação tão aterrorizante, até o dia em que aquele homem, de repente, condenou-a ao silêncio.

Havia dias não comia, não dormia, não conseguia raciocinar. Tremia e não se concentrava em nenhuma tarefa; não queria ver ninguém e não tinha ânimo para nada. Chorava durante o dia todo, tentando entender como a paixão podia ter se transformado assim, num estalar de dedos, em esquecimento. Como alguém que dizia amar com tanta intensidade poderia julgar e condenar à revelia o objeto de seu amor, e em seu caminho de destruição passar por cima dos sentimentos alheios e arrasar anos de sonhos, carinho e tolerância até que virassem pó - o mais fino pó existente, que qualquer brisa dissipa e nada sobra. Não, isso não era e nunca havia sido amor. Seria possível existir tamanha monstruosidade?

A sede continuava, e os pensamentos também. Suava frio. Tocou novamente no copo d´água, e de repente entendeu: a sensação era uma novidade, mas tinha um nome conhecido. Era ódio. E a sede não era de nenhum líquido em especial: era de vingança.