O varal da vizinha
Um casal, já não muito jovem, mudou-se para uma cidadezinha do interior, desde que o marido foi transferido pela empresa a qual ele trabalhava. Passando-se alguns meses, o casal foi-se integrando com a comunidade e, com isso, os vizinhos passaram a ser mais íntimos e companheiros, onde algumas intimidades começaram a permitir maiores comentários a respeito do gênio, dos defeitos e qualidades de cada um dos amigos, razão pela qual, em um dia que os dois estavam tomando o café da manhã, a esposa fez um comentário a respeito da sua vizinha, cujo quintal poderia ser visto através da janela da copa: “Meu bem, você já reparou como as roupas da vizinha são encardidas? Veja aquelas roupas brancas, que horror!”
Algumas semanas a mais e novo comentário, na hora do almoço: “Preste atenção, meu bem, como as roupas do varal estão cada vez piores, parecendo que nem foram lavadas. Não sei como o marido não fala nada, coitado!” Alguns dias depois, a mulher, sem poder se conter, já implicada com a demonstração de falta de cuidado da sua vizinha com a dedicação ao lar, comunicou ao seu marido que iria conversar diretamente com ela, chamando-lhe a atenção, pelo seu próprio bem, já que a convivência com uma dona de casa relaxada poderia provocar o distanciamento do esposo, com isso deteriorando a boa convivência conjugal, até com o risco de uma separação. “Eu sei que não vai ser fácil pra mim, disse ela, mas a nossa amizade reforça nossa sinceridade mútua, e eu a quero muito bem pelo seu modo de ser tão prestativo, tão alegre e tão amigo – só espero que ela me compreenda, não guardando mágoas a meu respeito, porque apenas quero ajudá-la”. Em seguida, como que procurando ganhar coragem, através da aprovação do cônjuge, perguntou-lhe: “O que você acha, devo ou não tomar essa atitude, pelo bem da nossa amizade?”.
O interessante é que ele permaneceu alguns minutos calado, olhando fixamente para a sua mulher, a ponto de ela se sentir desconfortável, pois a sensação que lhe envolveu era de que seu marido a estava censurando, talvez porque achasse inconveniente a decisão tomada e estivesse procurando argumentar com polidez, para não magoá-la; assim, com impaciência, ela disparou: “Eu sei que você não gosta que as pessoas interfiram no nosso modo de viver, por isso também não aprova o que pretendo fazer, mas é por uma causa nobre, por preocupação com o bem-estar dela; inclusive acho ser um dever meu alertá-la”. Ele, então, resolveu falar, com tom de censura, porém com carinho: “Minha mulher querida, meu amor, aprenda, de uma vez por todas, que nós não temos o direito de julgar seja lá quem for, pois o poder de julgamento cabe apenas a Deus, ainda mais que, quando estamos prestando atenção nos ‘defeitos’ alheios, acabamos por passar por cima das nossas próprias imperfeições e limitações, o que é muito grave. Devemos julgar sim, mas julgar a nós próprios, como um exame de consciência, sempre à procura de uma melhora, de um crescimento ou de um aprendizado. Nunca jogue pedras no telhado do vizinho, se seu telhado for de vidro”.
Em princípio, ela interpretou aquelas observações como sendo uma forma delicada de seu marido lhe mostrar que algo de errado estava havendo em sua missão de dona de casa, que por alguma razão o estava incomodando, assim, portanto, ele estava se aproveitando da ocasião para desabafar. A sensação de desconforto com a situação começou a lhe doer, a ponto de ela não conseguir mais falar, até o momento em que ele quebrou o silêncio: “Benzinho, veja bem, as roupas no varal da vizinha não estão assim tão sujas como você observou, porque elas estão lá no quintal, cuja visão nós temos através da nossa janela. Observe então quão embaçada está a vidraça da janela, a ponto de termos a distorção do que vemos através dela, daí você julgar que lá fora é que está a sujeira!”
Cuidado! Antes de interpretarmos quaisquer atitudes alheias, temos que analisar primeiro as nossas ações, as nossas imperfeições, a nossa forma de pensar, a nossa capacidade de discernimento e a profundidade do nosso próprio conhecimento sobre a verdade das coisas, cuja base está no espiritualismo de alto nível, que se encontra infinitamente além da superficial e falha observação materialista mundana.