Longa Noite

A água morna escorre pelo seu corpo relaxando os músculos, adormecendo os pensamentos, mas não os eliminando, um pensamento é impossível de ser apagado, fica ali quietinho, às vezes é esquecido, porém continua a existir, é a matéria não palpável que dá forma à realidade. Pablo tinha consciência deste fato inegável, porém amedrontador, de estarmos presos a nossos pensamentos, juízes mais que implacáveis de nossos atos e a nossos corpos, os mausoléus esquecidos, largados aos caprichos do tempo, que marca sua passagem em ambos, a água morna não é suficiente.

Faz frio, o que aumenta ainda mais a sensação de desolação, veste-se rapidamente enquanto o café esquenta no fogão velho onde apenas dois queimadores são utilizáveis, só, em uma noite de inverno após um mortificante dia de trabalho; tudo se resume a ler um velho livro de páginas ruídas pelos cupins até que o sono chegue, o personagem é tão semelhante a ele que isso o faz perder o sono, aquele livro do cara que acorda e descobre que se transformou em um inseto.

Talvez uma punheta ajudasse a relaxar, mas Pablo está perdido no labirinto formado por seus pensamentos, o pau não sobe, além do mais suas mãos não aguentariam mais uma sessão de onanismo, seu corpo necessita de realidade, seja lá o que isso queira dizer, dito de outra maneira talvez isso signifique, um corpo quente e feminino que lhe ajude a esquecer-se de si mesmo, só lhe resta vestir as calças.

O café desce amargo e morno, não foi aquecido o suficiente e não aquece o suficiente, sente-se uma planta que esqueceram de regar e que aos poucos está perdendo as folhas e secando. Uma trovoada e o clarão de um raio que cruza o céu são vistos através da cortina mal fechada, anúncios de que a tempestade não tardará, a noite será longa, o vento sopra forte lá fora, um pingo lhe cai na face, irrita-se por ter esquecido daquela goteira, enfim a realidade se faz presente.