Novos sabores

Em épocas festivas me encontro na cozinha sentado numa velha cadeira. Estou esperando a água ferver. Depois de fervida, cuidadosamente a misturo ao pó de café. Mesmo com tanto cuidado não consigo deixar de derrubar água pra fora do coador. Jogo o acúcar. Não adianta, por mais que experimente antes de terminar, sempre tem açúcar a mais ou a menos. Pronto, está feito e está uma merda! Mando tudo pia abaixo.

Fogos de artifício cruzam e enfeitam o céu. Sigo para o quarto, me deito na cama, a madeira é velha e se rompe. Vou ao chão, me arrebento! V1, V2, V4, V7 destruídas. Paraplégico!

No corredor que liga a sala de estar a cozinha, sentado na minha mais nova cadeira de rodas, aposto corridas com meu cachorro de estimação. Sempre perco! Não aceito bem a derrota. Vou pro quarto, a cama ainda está quebrada; tudo bem, durmo na cadeira mesmo. Abro o armário, puxo minha 45, volto até onde o cão está e estouro sua cabeça. Agarro o cadáver e jogo sobre a pia. Extraio a bala que está alojada no que sobrou do crânio, tempero o bicho e jogo no forno. Temperatura mais quente que o inferno. Está assado. Vou direto na pata, está delicioso. Preparo cachorro bem melhor que café.

Sigo em direção a sala de estar. Ligo a TV; uma reportagem sobre o reencontro de mãe e filha depois de 35 anos de separação. Próximo canal, um homem fala sobre números. Outro canal, uma cena de sexo feroz, ainda bem que minhas mãos ainda funcionam. Mais um canal; um leão dilacera uma zebra, é algo tão comum. Tente impedir isso! É um gesto nobre. Vamos catequizar os animais, o assassinato não é um ato considerado humano. Desligo a TV.

Vou pro quarto. Abro a janela, chove muito forte, uma tempestade inunda tudo levando qualquer coisa que vê pela frente. Um mendigo está deitado, tremendo na calçada do outro lado da rua. Ele me vê e implora minha ajuda, minha misericórida, minha comida, meu dinheiro. Gargalho de prazer e cuspo na sua direção, mas claro, a saliva não chega até ele, a meio caminho é purificada pela água da chuva. Fecho a janela.

Volto pra cozinha, um rato se delicia dos restos do meu cachorro. Quando me vê, se enfia debaixo da mesa. Ouço o “splash” da ratoeira. Agarrou o condenado na melhor parte; no rabo. Sem pressa, abro uma gaveta do armário ao meu lado, e tiro um espeto de churrasco. Me jogo no chão. Me rastejo até onde o rato desesperadamente tenta se livrar da ratoeira. Seguro-o pela cabeça e solto seu rabo. Me rastejo mais um pouco até o centro da cozinha, é mais claro lá. Não sabia que ratos berravam tão alto, principalmente quando se tem um espeto sendo cravado e girado na barriga, parece até uma pessoa. Mas não durou muito, alguns segundos e já estava morto. Vendo aquele cadáver (o segundo da noite) percebi que nunca havia experimentado carne de rato antes. E como já estava cansado, não ia fazer o mesmo que fiz com o cachorro; limpar, temperar e esperar assar. Mando uma mordida ali mesmo. É um rato grande, cinza, gorducho, o rombo na sua barriga manda muito sangue no meu chão branco. Cravo meus dentes bem ali, bem no ferimento e puxo. Vem tudo; pelo, pele, vísceras, sangue, muito sangue, o sabor é extraordinariamente estupendo. Foi a melhor coisa que já comi em toda minha vida. Não paro enquanto não sobrar nada dele. Primero foi abdômem, depois passei para os membros, são pequenos, são fáceis de mastigar. Por último a cabeça, a melhor parte; o cérebro tem um gosto diferente, um gosto que jamais senti antes, inexplicável! Terminei, fiquei deitado por mais algum tempo no chão da cozinha, rolei pelo sangue do rato, pensei na vida, em como será o dia de amanhã e depois, só bem depois nadei por ali até chegar na minha cadeira.

Mais uma vez estou na sala. Estou com sono, vou dormir aqui mesmo.

Ouço o som da campainha, abro a porta, é minha namorada. Ela me presenteia com um sorriso lindo. Jogo a chave em sua direção, ela abre o portão e entra. Me dá um beijo, nossas línguas se encontram, se massageiam, se entrelaçam, minha língua está por inteira dentro de sua boca, provavelmente ela sentiu o gosto do sangue, será que soube distinguir?

O beijo cessa. Ela vai para a cozinha. Eu ligo a TV; um cara vestido de branco fala alguma coisa sobre pessoas loucas e o seus devidos tratamentos. Um grito. De onde estou pergunto o que aconteceu. Desesperada ela me pergunta o que aconteceu com o cachorro. Estranho ela me perguntar isso, porque com essa pergunta me surgiu outra: Como será o gosto da carne de uma namorada?

Jimmy Conway
Enviado por Jimmy Conway em 26/07/2009
Reeditado em 27/07/2009
Código do texto: T1719736