Por que tanta complicação?

De maneira inesperada, um amigo, já de longa data, chegou-se a mim com o semblante completamente transtornado e começou a falar sem parar, sem respirar, dando mostras de que estava mesmo é desarvorado, a ponto de não conseguir dizer “coisa com coisa”, razão pela qual tive séria dificuldade para compreender o que estava acontecendo e qual seria a causa de tamanho descontrole emocional. Sua atitude era-me totalmente inusitada, desde que ele sempre fora uma pessoa equilibrada e sensata, além de normalmente mostrar sua preocupação, a qualquer momento, de se colocar à disposição de servir como apaziguador, em circunstâncias de desentendimentos entre terceiros. Acho que dá pra se perceber qual foi a minha estupefação; porém logo compreendi que eu estava sendo acionado para cumprir uma tarefa muito difícil – era um desafio – alguém em desespero foi colocado à minha frente, alguém muito caro para mim e que estava em vias de cometer qualquer ato tresloucado, prestes a entrar para as negras estatísticas da selvagem civilização à qual estamos pertencendo, hoje, que julgamos seja adiantada e moderna, e que, ao mesmo tempo, nos enche de orgulho e ufanismo!

Esse amigo é um alto executivo de uma multinacional, muito bem conceituado nas rodas empresariais pela sua honestidade e competência, pela sua lisura no trato com as pessoas e as coisas, pela sua dedicação à família, aos amigos, aos subordinados, aos vizinhos etc., enfim, alguém a quem podemos chamar de exemplo de cidadão de verdade. O que havia acontecido com ele era realmente escabroso – vejam que um homem do seu quilate, que sempre primou pela honestidade em quaisquer circunstâncias, foi vítima de uma intrincada “armação”, digna de novela da noite, cuja protagonista não foi ninguém mais do que a sua própria esposa, com quem se casara há mais de vinte e cinco anos.

Eis que, num determinado dia, um colega dele passou-lhe todas as coordenadas sobre a certeza de que ela o estava enganando com alguém muito próximo do casal. Sem revelar nomes, esse colega achou por bem aconselhá-lo a investigar o caso, com calma e inteligência, e, para isso, estaria disposto a apresentar-lhe um detetive particular, de sua inteira confiança, de forma totalmente sigilosa. Pois bem, o meu amigo aceitou a proposta e contratou o profissional, mas, segundo ele, apenas para acabar com as dúvidas desabonadoras a respeito da sua esposa, por essa razão ele agiu dessa forma, apostando que todo o mal-entendido iria se esclarecer satisfatoriamente, com certeza.

Após mais de três meses de investigação detalhada, o detetive entregou-lhe um relatório que a isentava de toda e qualquer possibilidade de cometimento de adultério, daí então ele, orgulhoso de poder mostrar, com provas, que tudo não havia passado de calúnia e difamação, passou a se dedicar à sua esposa ainda com maior carinho e desvelo. Só que, conforme estamos cansados de ouvir, nenhum crime é perfeito, e então ele descobriu, por conta própria, de forma totalmente ocasional, que sua esposa estava mesmo mantendo um caso, nem mais nem menos, com o próprio colega “difamador”! O pior ainda é que havia um terceiro elemento que, com pleno consentimento dos dois, também participava da “festinha” – era apenas o tal detetive, que nunca foi profissional dessa área!!!

Cabe aqui uma pergunta: _O que faz uma mulher, casada há muitos anos com um marido exemplar como poucos e possuidor de um caráter ilibado, sendo honesto, culto, cumpridor de seus deveres e respeitado profissionalmente, a cometer tal desatino, pondo a perder um lar, tendo filhos para dar o exemplo de vida? O que se passa na cabeça dessa criatura, que joga fora todo um futuro seguro e tranquilo, em troca de aventuras tão fugazes quanto frustrantes, levando à lama nome, reputação, respeito, amor-próprio e tudo o mais?

Casos tão ou mais escabrosos como esses estão acontecendo aos milhares por aí, respondendo-nos o porquê de tamanha desordem moral e cívica da civilização atual, trazendo conflitos incontáveis, sem explicações plausíveis, passando-nos o quanto de selvagem existe nos relacionamentos entre os humanos, explicitamente mostrado pelos meios de comunicação, todos os dias.

Moacyr de Lima e Silva
Enviado por Moacyr de Lima e Silva em 20/07/2009
Reeditado em 28/02/2012
Código do texto: T1709650