À MARGEM DA VIDA
Carolina sentia a saudade grudar-se à pele como uma roupa molhada. Muitas vezes não conseguia adormecer. O pensamento martelava as cenas dos encontros à exaustão. Cada detalhe, palavra e gesto armazenados pela memória obcecada do seu desejo.
Todos os dias eram ausência. E o tempo se arrastava em um calendário marcado pela mesma data. Carolina desembarcou a consciência em uma espécie de reclusão da alma, à margem da vida. Seus olhos pareciam perdidos ou vagos como papel em branco.
Olhe para ela agora. O ar desamparado e distante o comoverá a ponto de querer resgatá-la.
Porém, a névoa se esvai e emerge a arrogância infantil, enjaulada pela frustração de não tê-lo mais ali.
A recusa em ver a vida seria apenas sangria desatada da vaidade? Hemorragia que não se estanca por puro orgulho ferido?
Durante anos, Carolina imaginou sua farsa como amor. Não via mais as pessoas à sua volta. Recusava os convites e novas possibilidades. Alguns homens tentaram se aproximar, em vão.
A cegueira emocional instalou-se em sua alma com a sombra do ódio. Só havia espaço e oxigênio para corroer-se em ressentimento. Uma ferida aberta pelo abandono e a recusa permanente em cicatrizá-la.
Muito tempo depois da alma cortada pelo vazio, seu primeiro namorado a reencontrou. Saíram algumas vezes até que, naquela noite, pediu para não procurá-la mais.
Do outro lado da rua, uma festa. Abriu a porta de casa sem perceber que os sinais da alegria entravam com ela. A música misturada às gargalhadas e vozes.
No entanto, seu silêncio ressentido tornou insuportável ver a vida e Carolina transformou-se em rascunho cego de si mesma.
Antes de ir embora, o antigo namorado vislumbra a sombra do corpo feminino na parede. Uma figura estática entre os móveis da sala de jantar.
(*) Imagem: Google
http://www.dolcevita.prosaeverso.net