UM CONTO TRISTE DA VIDA REAL
Chamei conto a esta narrativa, porque contou-me a minha sogra e ao escutar fiquei com um nó na garganta. Triste, muito triste embora tenha acontecido, imagino, não conferi, há mais de setenta anos.
A mãe da minha sogra, quando o seu corpo ensaiava a menopausa e quando os seus filhos já se haviam ido, alguns para o colégio interno, outros já se haviam casado, ficou grávida de um menino que chamou Otacílio em homenagem a Otacílio Negrão de Lima, segundo ela o governador de Minas à epoca. O menino ainda pequeno era bonito e inteligente. Certa tarde Otacílio brincava subindo e descendo de um monte de lenha perto da mãe que colocava no forno, feito de barro, fora da casa, biscoitos para assar. Vez ou outra o menino parava e pedia à mãe que lhe desse sua mamadeira. A mãe dizia-lhe que esperasse um pouco que ela queria acabar de assar mais algumas formas de biscoito.
Num dado momento, o menino deu um grito e começou a chorar copiosamente. A mãe correu em seu socorro e, buscando descobrir o que acontecera, deparou com um escorpião adulto que ofendera de morte ao pequeno menino. Correu a pedir socorro desesperada. A família morava em uma fazenda e naquele tempo o acesso à cidade próxima levava muito tempo. Enquanto alguns se dirigiam à cidade próxima para buscar o soro que salvaria Otacílio, a mãe desesperada tentava em vão que o menino tomasse a mamadeira que ele tanto lhe pedira antes. Neste ponto eu imaginei o sofrimento que lhe trouxe o remorso de não haver atendido ao pedido insistente do filho querido.
Ao chegar à pequena cidade que apenas tinha uma farmácia o farmacêutico responsável havia ido à capital do Estado. Mais algumas horas de atraso e conseguiram o soro. No entanto, o pobre menino conseguira lutar por doze horas pela vida e não fora o tempo suficiente para salvá-lo.
Otacílio morreu. Estranhamente já não chorava mais umas seis horas antes do óbito, contou a mãe. Otacílio cantara sem parar, inteirinha, e em alto em bom tom a uma música que tocava no rádio naquele tempo.
"Eu sou um pirata da perna de pau, do olho de vidro e da cara de mal..." "Eu sou um pirata da perna de pau..." Até que a morte o calou para sempre.
Triste, muito triste este conto real. Concordam comigo?