Um Incômodo

UM INCÔMODO

Desta vez percebi a segunda voz, que nunca erra, me aconselhando a parar de ler e começar a escrever, ou senão a prova de hoje a noite não será possível.

Dentro de mim algo chora.Triste por uma decepção. Magoada por uma desilusão e com pena de alguém. Apertado, torcendo, tentando que caíam todas as gotas de amargura para fora de mim. Vontade imensa de ajudá-lo, impulso forte de acolhê-lo e força bruta para espancá-lo. Uma pessoa com problemas, que deixa a paixão sobressair sobre todo o resto. Relações cortadas. Tem o mundo todo contra ele, menos eu. Eu também estaria se não fosse está sensibilidade maior para perceber as tantas vontades, desejos e arrependimentos de uma mente confusa e ingênua. Estou mergulhada num oceano de informações, boatos, preconceitos e paixões. Ele vai perder o controle, ele vai encontrar o pior e eu não quero isto. Não quero vê-lo do modo como está caminhando para tornar-se. Não quero sentir dele o negro, o escuro, a beleza da triste loucura decadente. Ele esteve perto de mais, dentro de mim, não quero vê-lo forçado a mentir para ter segurança. Um pobre espírito perdido no mundo de espíritos reais, materiais. Perderá tudo! E eu não quero! Sofrerá mais do que sofre agora, e eu não quero. O dor em mim só pensa nele, não como forma de desejo, mas como uma criança sozinha que chora. Ele não tem força nenhuma, olhos nenhum. Próprio se engana e é extremamente triste a realidade da não compreensão natural que os que o rodeiam têm. Encontrou em mim e agora vejo e sinto sua ida ao eterno ‘não’ mundano e tenho pena em deixá-lo. Longe o trarei para dentro do próprio si. Ele me prendeu como homem que tentou ser. Hoje algo mais dói, pois além de senti-lo, sinto-o como meu, pois dei a ele o meu corpo e o tomei a mim sem antes saber que este engano dele não era proposital, mas sim inconsciente. Sinto ciúmes porque meu inconsciente queria o seu homem, o mesmo que ele foi na hora da conquista. A tal racionalidade, mais uma vez, não deixará com que eu deixe de ser importante e essencial para mim e novamente, mais uma vez, sofrerei, por ter que passar por cima da minha criação sentimental para cuidar, ajudar uma cria que adotei com tal racionalidade.

Ele sofre, eu ganho.

Ele perece, eu reconstruo.

Ele desfaz, eu sou perene.

Ele fraco, eu também...

BCA (desconcentrada)

Há uma voz em mim, que cria, que vive, que tem vontade, mas que não sou eu!

Ela grita; - Cadê o mar?

Eu respondo; - Longe!

Ela insiste; - Quero o mar!

Eu desisto; - Vá buscar!

Ela firme; - É seu corpo!

Quero chorar! Agora aqui na biblioteca... não posso!

Os livros falam, meu cérebro resmunga. A biblioteca é inacessível, os livros ao lado da minha cama, não!

O que é este eu que em mim se preocupa com o que não ama? O que é este si que no em se estabelece? O que diz este Kant sobre esta razão prática que em vive? Nada. Minha sensibilidade é pouco perante esta razão. Posso morrer que minha razão saberá se era devido ou não. Quero que esta razão se desfaça, quero que me deixe passar, passear por este caminho sensível deste mundo de livros que falam tudo e não sentem muito.

Vejo lágrimas nas páginas de Clarice, em Carlos vejo o amarelo da injustiça, e, Fernando vejo a perfeição, loucura e desvairo vejo em mim toda vez que a voz grita em meu corpo e me força a dizer... estou viva!

Não há x, não há sujeito, há um frio que cobre a pele daquele x, daquele s experimental. Eles, como eu, vivem e sabem explicar perfeitamente o que é conhecimento. Se não houvesse a racionalidade capaz de criar a língua falada e escrita, todos os Xs e Ss saberiam as questões tão claramente, tão corporalmente, tão em cada parte dos seus corpos, que não seria necessária explicar. A filosofia nasceu junto com o órgão maior do ser humano – cérebro. Desnecessária para quem só vive o que sente e cria o que o corpo sente mas não tem. Pare de falar! Resmungue, escorra-se pelo chão, tatei os corpos, olhe, observe, perceba, mas não fale, não tente explicar a ninguém, todos têm corpos, todos têm movimentos, todos têm ritmo, todos têm mundos, todos sabem tudo o que necessitam, não fale, sinta! E transmita o conhecimento a mim!

Mar fundo...infinito

Banha me

Mata me

Goza me!

Sinto pena, sinto dó! De mim que sinto!

Ainda não se esvaeceu o desejo maior, a dor que incomoda de mim. Quanto mais terei que cuspir no papel para que minha alma desentupa de grosseiros e intermináveis sentimentos de comoção e solidariedade? Deus! Tira de mim o amor ao próximo. Deus! Deixe em mim o tesão ao próximo! Que pelo menos então, sobressaia sobre o amor. O amor não me amou quando eu o amei, hoje ele se confunde com apreço e segurança. Não sou santa nenhuma. Talvez seja o amor ao cérebro tardio, a mente confusa e desorientada! Uma pena que esta mente é pertencente de um corpo que desejo! Deus! Livre me deste vasto campo, ele é tão aberto, tem tanto ar, tanto vento, tanta liberdade que me sufoca, que me amarra, que faz minhas raízes crescerem e agarrarem cada vez mais este solo fértil que eu odeio tanto.

Deus! Por favor! Faça-se de surdo!

E se este teto caísse sobre mim agora! Neste exato momento. Não sobraria nada, nem um osso inteiro, e nem um espaço para minha alma sair pela boca em forma de ar, suspiro último e se dissolver no ar. Haverá só poeira. Se o teto caísse sobre mim eu realmente deixaria de existir, misturaria me com o pó!

...sou anti-poeta.

Agradeço os acontecimentos infantis e ridículos, superficialmente, que atravessam a minha rua. São eles que me fazem a melhor pessoa que sou. Buscar a essência do cúmulo, do ridículo traz benefícios e não é perigoso!

“O FIRMAMENTO”

GLORIA A DEUS! EIS ABERTO O LIVRO IMENSO,

O LIVRO DO INFINITO.

ONDE EM MIL LITROS DE FULGOR INTENSO

SEU NOME ADORO ESCRITO

EIS O TABERNÁCULO CORRIDA

UMA PONTA DO VÉU MISTERIOSO.

DESPRENDE AS ASAS, REMONTANDDO A VIDA,

ALMA QUE ANSEIAS PELO ETERNO GOZO!

(...)

GLORIA A SEU NOME! UM DIA, MEDITANDO

OUTRO CÉU MAIS PERFEITO

O CÉU D’AGORA, A SEU ALTIVO MANDO,

TALVEZ CAIA DESFEITO;

ENTÃO, MUNDOS, ESTRELAS, SÓIS BRILHANTES,

QUAL BANDO D’AGUIAS NA AMPLIDÃO DISPERSO,

CHOCANDO-SE EM DESTROÇOS FUMEGANTES,

DESABARÃO NO CAOS DO UNIVERSO.

ENTÃO A VIDA, REFLETINDO AO SEIO

DO FOCO SOBERANO,

PARARÁ, CONCENTRANDO-SE NO MEIO

DESSE INFINITO ACEANO;

E, ACABANDO POR FIM QUANTO FULGURA,

APENAS RESTARÃO NA IMENSIDADE –

O SILÊNCIO AGUARDANDO A VOZ FUTURA,

O TRONO DE JEOVÁ, E A ETERNIDADE!

Luís Augusto Palmeirim 1852

Pronto! Estou limpa!

230908 BCA (limpa)

BCA
Enviado por BCA em 18/07/2009
Código do texto: T1706232
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