Maktub
Ele era diferente dos demais.A cada assunto colocado em sala, a cada debate, lá vinha Marcelo com suas perguntas originais, sem-pé-nem-cabeça para alguns de seus colegas mas imensamente pertinentes e desafiadoras no meu conceito.Como destoava da turma! Em tudo praticamente.Naquele época, os alunos carentes não recebiam os livros didáticos do Governo.Então, os mais pobres,como ele, precisavam de um tempo maior para a aquisição de todo o material escolar.Já era meio de ano quando conseguia comprar, de segunda mão, todos os livros.Além disso, Marcelo faltava com frequência às aulas.Virava e mexia entrava numa espécie de crise existencial e sumia.Logo que eu entrava em sua turma, sentia-lhe a ausência.Então, ao final do turno, indagava sobre quem era seu vizinho e mandava-lhe um recado, ou melhor, um ultimato: que ele aparecesse à escola de qualquer maneira, pois precisava falar com ele.No outro dia , Marcelo estava de volta.E para mim era uma alegria vê-lo de novo com a mão erguida, esperando sua vez de opinar sobre o tema da vez.Era só abrir a boca e todos se voltavam para ele.E eu sorria por dentro e não foram raras as vezes que o meu sorriso se exteriorizou tal o meu contentamento.
No segundo ano do ensino médio, resolvi criar o jornal da escola.O grupo que compunha o expediente do jornal, tinha como liderança o Marcelo.Nas primeiras reuniões, percebi toda a sua determinação, o seu entusiasmo, a sua vontade em fazer algo novo, que tivesse uma boa repercussão na escola e no seu entorno.Naquela época ainda existia o Grêmio Estudantil e o cunho dessa organização era bem político.E como o meu querido aluno se destacava!Em alguns momentos parecia o próprio Dom Quixote, lutando contra os moinhos de vento, pois somente ele ( e eu também, juro!)acreditava em tudo que defendia.
O jornal cresceu, transformou-se num periódico mensal, com direito a patrocinadores, que disputavam um espaço a cada edição.Os alunos aguardavam ansiosos a chegada dos exemplares, depois que a aquipe de divulgação ia em cada sala de aula, anunciando algumas das seções que sairiam no jornal.Além de assumir para si quase todas as tarefas na edição do folhetim escolar, Marcelo era o responsável pelo editorial.E como tinha coragem o garoto.Sempre colocava o dedo na ferida, falava mal do governo, fazia reivindicações, criticava a educação e, pasmem! Ousava criticar os professores que não exerciam bem o seu papel de mestre.Como eu era a revisora dos textos, cheguei a alertá-lo a respeito do teor de algumas críticas mas, acreditem, fui contestada pelo aluno querido:" Professora,se é para ter o meu pensamento cerceado, se não posso dizer o que penso, estou fora!" Mas ele continuou dentro.Assumi as antipatias compradas por ele.Tentei me justificar diante da saia justa causada pelas suas idéias tão bem defendidas mas constrangedoras em alguns momentos.Não abdiquei de minha responsabilidade na formação daquele garoto.
Entre alguns sumiços e reaparições, Marcelo conseguiu concluir o Ensino Médio.Ao final desse mesmo ano, fez sua inscrição para o vestibular da UFMG, juntamente com mais dois ou três de sua turma.Os outros não se atreveram a tanto.Preferiram fazer um ano de cursinho e tentar o vestibular do ano seguinte.Imaginem qual não foi a minha alegria ao saber que Marcelo fora aprovado no curso de Direito, um dos mais concorridos na época.Toda aquela pujança nas defesas de suas idéias, o seu destemor, o seu apego à verdade...tinha de ser.Estava escrito.
Alguns anos depois, cruzei com o Marcelo nos corredores da Fafich.Não resisti a dar-lhe uma abraço bem forte, bem gostoso e de expressar toda a minha admiração e a minha torcida para que seguisse batalhando por seus sonhos.Pude ainda ouvir dele que seria Juiz do Trabalho.Alguém duvida que conseguiria? Eu, não!
Os nossos caminhos não mais se cruzaram, mas tenho certeza que fazemos parte das lembranças um do outro de forma indelével.E que hoje, o jovem pobre e contestador de anos atrás, aluno de escola pública,conseguiu os seus objetivos com louvor e deve ostentar um Dr diante do nome por honra e mérito simplesmente,como deve ser.
Ele era diferente dos demais.A cada assunto colocado em sala, a cada debate, lá vinha Marcelo com suas perguntas originais, sem-pé-nem-cabeça para alguns de seus colegas mas imensamente pertinentes e desafiadoras no meu conceito.Como destoava da turma! Em tudo praticamente.Naquele época, os alunos carentes não recebiam os livros didáticos do Governo.Então, os mais pobres,como ele, precisavam de um tempo maior para a aquisição de todo o material escolar.Já era meio de ano quando conseguia comprar, de segunda mão, todos os livros.Além disso, Marcelo faltava com frequência às aulas.Virava e mexia entrava numa espécie de crise existencial e sumia.Logo que eu entrava em sua turma, sentia-lhe a ausência.Então, ao final do turno, indagava sobre quem era seu vizinho e mandava-lhe um recado, ou melhor, um ultimato: que ele aparecesse à escola de qualquer maneira, pois precisava falar com ele.No outro dia , Marcelo estava de volta.E para mim era uma alegria vê-lo de novo com a mão erguida, esperando sua vez de opinar sobre o tema da vez.Era só abrir a boca e todos se voltavam para ele.E eu sorria por dentro e não foram raras as vezes que o meu sorriso se exteriorizou tal o meu contentamento.
No segundo ano do ensino médio, resolvi criar o jornal da escola.O grupo que compunha o expediente do jornal, tinha como liderança o Marcelo.Nas primeiras reuniões, percebi toda a sua determinação, o seu entusiasmo, a sua vontade em fazer algo novo, que tivesse uma boa repercussão na escola e no seu entorno.Naquela época ainda existia o Grêmio Estudantil e o cunho dessa organização era bem político.E como o meu querido aluno se destacava!Em alguns momentos parecia o próprio Dom Quixote, lutando contra os moinhos de vento, pois somente ele ( e eu também, juro!)acreditava em tudo que defendia.
O jornal cresceu, transformou-se num periódico mensal, com direito a patrocinadores, que disputavam um espaço a cada edição.Os alunos aguardavam ansiosos a chegada dos exemplares, depois que a aquipe de divulgação ia em cada sala de aula, anunciando algumas das seções que sairiam no jornal.Além de assumir para si quase todas as tarefas na edição do folhetim escolar, Marcelo era o responsável pelo editorial.E como tinha coragem o garoto.Sempre colocava o dedo na ferida, falava mal do governo, fazia reivindicações, criticava a educação e, pasmem! Ousava criticar os professores que não exerciam bem o seu papel de mestre.Como eu era a revisora dos textos, cheguei a alertá-lo a respeito do teor de algumas críticas mas, acreditem, fui contestada pelo aluno querido:" Professora,se é para ter o meu pensamento cerceado, se não posso dizer o que penso, estou fora!" Mas ele continuou dentro.Assumi as antipatias compradas por ele.Tentei me justificar diante da saia justa causada pelas suas idéias tão bem defendidas mas constrangedoras em alguns momentos.Não abdiquei de minha responsabilidade na formação daquele garoto.
Entre alguns sumiços e reaparições, Marcelo conseguiu concluir o Ensino Médio.Ao final desse mesmo ano, fez sua inscrição para o vestibular da UFMG, juntamente com mais dois ou três de sua turma.Os outros não se atreveram a tanto.Preferiram fazer um ano de cursinho e tentar o vestibular do ano seguinte.Imaginem qual não foi a minha alegria ao saber que Marcelo fora aprovado no curso de Direito, um dos mais concorridos na época.Toda aquela pujança nas defesas de suas idéias, o seu destemor, o seu apego à verdade...tinha de ser.Estava escrito.
Alguns anos depois, cruzei com o Marcelo nos corredores da Fafich.Não resisti a dar-lhe uma abraço bem forte, bem gostoso e de expressar toda a minha admiração e a minha torcida para que seguisse batalhando por seus sonhos.Pude ainda ouvir dele que seria Juiz do Trabalho.Alguém duvida que conseguiria? Eu, não!
Os nossos caminhos não mais se cruzaram, mas tenho certeza que fazemos parte das lembranças um do outro de forma indelével.E que hoje, o jovem pobre e contestador de anos atrás, aluno de escola pública,conseguiu os seus objetivos com louvor e deve ostentar um Dr diante do nome por honra e mérito simplesmente,como deve ser.