UMA LEMBRANÇA
A estrada era a mesma que percorri há quase quarenta anos. Sulcos profundos marcavam seu trajeto. Resultado das enxurradas e do abandono a que foi submetido, embora por ela ainda passe todo o rebanho de meu pai que segue para as várzeas ao longo do velho rio. Ali as pastagens são mais tenras e o ar mais puro e ainda se tem a vantagem de beber água no rio.
Não me dispus a seguir a estrada. Mas meu olhar mais que saudoso seguiu-a nesses passos seguidos pela memória. Foi então que me vi naquele mesmo lugar, em um tempo distante. Eu a galope, montada no Alazão de pelo viscoso e crinas longas. Uma elegância no trotar e no galopar. Eu rebelde... Uma rebeldia que nem eu mesma conhecia, embora gostasse de aventuras. Dessas aventuras sadias que não prejudicam o caráter.
A galope, eu cortava todas aquelas estradas e buscava o rebanho para meu pai. Uma tarefa que me dava um prazer enorme, além de me conjugar com a natureza que me cercava e que eu amava sem mesmo compreender. Era a minha vida cheia desses sonhos que afloram na adolescência e que cultivava apenas em pensamentos enquanto soltava as rédeas do cavalo.
Depois me lembrei do velho carro-de-boi que tantas vezes vi meu pai conduzir da roça de milho até o paiol. Fui candieira. E trilhei na frente do carro-de-boi com uma vara de ferrão para guiar os bois na estrada cheia de poeira. A cantiga das engrenagens apertadas do carro pesado ecoava naqueles rincões sem fim.
De repente acordei para a realidade como se realmente ouvisse aquela cantiga do carro-de-boi. Olhei a estrada mais uma vez e enxuguei uma lágrima saudosa que molhava o meu rosto. O tempo não volta atrás... Só fica essa saudade. E são tantas.
Em silêncio caminhei na velha estrada rumo ao velho rio. Queria vê-lo. Lá eu derramaria todas as minhas lágrimas. As de saudade e as envoltas nessas mágoas nascidas do mundo atual.