Lembranças do tio Lerico
Final de 1950, o mês exato não posso precisar mas sei que estou na terra da garoa, São Paulo dos anos 50 e ainda posso ouvir aquele sotaque lusitano por t odos os lados, as vezes o italiano, o árabe entre outros que se soma a cultura e falácia dos migrantes que para São Paulo vieram atrás do sonho de vencer na vida.
Vejo a cidade mais saudável, mais festeira, e andando mais devagar e menos poluída.
As estátuas espalhadas pelas praças e avenidas chamam-me a atenção. O emaranhado dos edifícios, os bondes, os ônibus e os carros me enchem de curiosidade.
Nos bairros sinto ainda o cheiro peculiar do carvão e querosene! Um cheiro que lembra o fogão a lenha lá do interior de onde a maioria migrou.
Mas sinto saudade das montanhas, morros, das matas, das aves, dos córregos de águas límpidas.
Na Praça da Sé vejo a Catedral ainda em construção, sem suas torres, a rua Santa Teresa está ali separando a Praça da Sé da Praça Clóvis Beviláqua com seu "glamour" guardando imponente seu cinema e restaurantes.
Lá nos fundos da Catedral vejo a construção do Fórum da João Mendes, bondes elétricos circulando imponentes pelos trilhos incrustados nos paralelepípedos que calçam as ruas do centro da velha capital que se renova a cada dia com a chegada de mais imigrantes e a construção de novos edifícios.
Depois de cruzar a Praça João Mendes, olho a minha esquerda paro na esquina da Avenida Liberdade e posso ver lá do lado do canteiro de obras do (hoje) Fórum da João Mendes, uma jovem mãe com seu filho no colo apontando para cima, ao meio dos andaimes um dos operários que lá trabalhava como carpinteiro.
- Olha filho,é o tio Lerico que está trabalhando lá em cima!
Acena-se para um senhor lá no alto e pouco depois observo-o descendo e indo em direção da mãe com o filho nos braços e por alguns minutos conversam de maneira familiar.
- Tio Lerico, este é o Adauto, o meu menino, o Walter foi me buscar lá em Campo Belo.
- Ah... Gileite fico muito feliz de ver você com este menino forte e bonito!
Atento a tantas coisas ao meu redor... uma infinidade de sons … eu nem ouvi o que continuaram a conversar... quando de repente percebi que os dois se despediram e pouco depois e aquele senhor voltou aos seus afazeres e a jovem mãe com seu filho se foi.
De repente, como num passo de mágica aquele cenário todo mudou, estava eu no mesmo lugar mas diante de uma movimentada e nervosa cidade com um trânsito alucinante, centenas de pessoas tentando atravessar entre carros a avenida Liberdade e a movimentada Praça João Mendes.
Ai me dei conta de que o tempo passou, meio século depois então percebi que aquela jovem mulher era justamente a minha mãe e a criança nos seus braços era quem agora escreve esta lembrança viva.
Obs.: (Corrigindo a História) :
Saudosos tio Lerico, cunhado do Vô João, marido tia Anésia trabalhava como carpinteiro no início da construção do Fórum da João Mendes, 1950.
O que contraria informações na Internet de que a referida obra deu-se no ano de 1956.