O jogo

Dependurados os aventais, e os professores deixavam a rotina diária de trabalho da Escola Industrial Professor José Maria Campos para exercitar e desfrutar o lazer merecido no clube de campo de Sorocaba descoberto depois por Vicentinho, um menino muito bom, esperto, miúdo nas feições e no tamanho.

Vicentinho residia na Chácara dos Meninos em um orfanato muito simples chamado Bethel no centro de Sorocaba, mas era a casa dele e o fazia feliz. A instituição compunha suas regras e princípios a serem obedecidos rigorosamente, através das ordens severas de mãe Hilda assim como era chamada a missionária, e também idealizada por Vicentinho a mãe que nunca teve, ela conseguiu com muito empenho proteger as crianças e adolescentes que se encontravam em situação de risco na cidade para serem criadas no contexto de uma família, em uma casa, com espaço e sobre o auxílio da vigilância e olhar do irmão mais velho René, o mais velho de todos os irmãos.

A casa lar de mãe Hilda era mantida pelas doações da Igreja Presbiteriana Independente, que o menino freqüentava todos os domingos na escola dominical.

Vicentinho era assíduo participante do canto litúrgico e também acompanhava o coral com sua gaita prateada que ganhara da mãe social que o visitara certa vez na comemoração da Páscoa. Era hábito na casa de dona Hilda ensaio de gaita para todos os meninos, o que se fazia uma desajeitada orquestra sem ritmo e muito barulho.

No orfanato a recreação se fazia com liberdade e o ambiente era saudável em todo canto onde as crianças brincavam muito alegres.

Eram sessenta meninos em seus jogos e brincadeiras. Andavam com pernas de pau, rodavam peão, corriam com aro, e jogavam futebol.

Na hora do futebol todos os meninos disputavam a jogada, uns calçados, outros somente calçados em um dos pés, que causavam grandes machucados nos dedos das crianças, por que o campo foi feito em terreno irregular, onde havia muito mato e bastante pedregulho, e, além disso, no pouco espaço bom que restava, passavam muitas vacas que deixavam pelo local muito estrume.

A posse da bola era difícil, Vicentinho só tocava na bola quando ela saia do campo e mesmo assim devia arremessá-la de longe para não apanhar dos irmãos mais velhos porque eles mandavam no jogo.

Certa vez Vicentinho foi às compras com o reverendo Onésimo, pessoa serena, promovia a justiça, a dignidade e aética em suas ações transformadoras na vida das crianças e na comunidade. Na volta ao lar, sem que o reverendo percebesse, Vicentinho fez uma pequena pausa para limpar sua gaita, e disfarçadamente tomou outro caminho, o mais curto, que mãe Hilda havia proibido a todos.

Foi em direção ao clube, pois o mais longe que havia ido desacompanhado era ao portão do orfanato.

Sua curiosidade ao ver o que acontecia naquele clube deu lugar a grandes emoções. Nunca tinha visto escorregador e balanços tão bonitos. Seus olhos ficaram mais radiantes com uma grande descoberta: uma quadra toda pintada e com uma arquibancada repleta de pessoas tomada de grande torcida.

Vicentinho se aproximou com seu corpo franzino e com movimentos rápidos tentava a todo o momento olhar entre os ombros e braços daquelas pessoas corpulentas para ver o que estava acontecendo e procurava um bom lugar que pudesse ver melhor.

Um jogo diferente, jogado com as mãos, de nome esquisito, o gol eram dois cestos bem no alto e de poucos participantes. Vicentinho observa todos os movimentos, os giros, as técnicas, os passos e todas as diversas formas de arremessar, para fazê-los depois no orfanato e mostrar aos irmãos aquele tipo de esporte, o basquete como veio a descobrir mais tarde.

Vicentinho estava concentrado no jogo, mas deveria ter sido prudente, pois o risco de ser descoberto era inevitável. Àquela hora o reverendo já estava no orfanato dizendo a mãe Hilda sobre o sumiço do menino. Então René, o irmão mais velho, saiu a sua procura.

René procurou pelo vilarejo, às margens do rio Sorocaba, no posto telegráfico Capão Fresco e também na estrada de ferro desativada.

O encontro aconteceu, e o estrondo do tapa recebido fez com que Vicentinho parasse de ver imediatamente o jogo e correr em direção ao orfanato. Como um louco, saiu em disparada, pois sabia que se permanecesse ali seria castigado ainda mais.

Vicentinho contornou o jardim em disparada, e ouvindo a sinetinha de aviso que se fazia antes das refeições, foi depressa se sentar junto com os irmãos à mesa, não para comer, mas apenas para esconder e reclamar a mãe Hilda que havia apanhado de René. Seu ouvido ainda zunia muito, mas Vicentinho ficou surpreso quando ela o advertiu que iria ser castigado por ter desobedecido às normas do orfanato.

Naquele instante se sentiu desamparado e disse que avisaria ao reverendo que ela protegia aquele brutamonte e somente ele tomava as sovas. Foi para o quarto, e permaneceu agachado no canto de sua cama chorando com muita raiva de René.

Estava em seu quarto chorando, naquele momento sentia um desejo de vingança, o arder da face, as juras de castigo de mãe Hilda, a descoberta do jogo, todos esses sentimentos se misturavam em seus pensamentos, então avista sua bola de meia perto de sua cama e retornando a calma enxuga as lágrimas de seu rosto e imediatamente iniciou as jogadas que tinha visto na arquibancada.

Doni
Enviado por Doni em 12/07/2009
Código do texto: T1695423
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