Vende-se uma casa
Sentados calmamente em um sofá de luxo, não estes de acabamento duvidoso, imitativo, notava-se que fora escolhido com bom gosto, os aspectos peculiares que sobressaiam, pareciam transcrever as realizações de Fabrício e Ana Cristina, o casal lentamente levantou a cabeça, olharam para os lados e para baixo, em silêncio. Fabrício colocou o jornal sobre o braço do sofá. Não havia tristeza definida, tão pouca alegria entre ambos, naquela imensa sala tão bem projetada e detalhadamente decorada, apenas uma tomada de decisão que a muito estava sendo adiada, a venda da casa.
Não era de se admirar o silêncio entre ambos. Sexagenários, com os cabelos prateados, estariam se desfazendo não só de uma casa, mas de um sonho. A casa fora meticulosamente idealizada quando ainda jovens. Fabrício, aficionado por exatas, estudava na época engenharia civil, quando conheceu na universidade Ana Cristina, cursando administração. Não demorou, para que um forte relacionamento crescesse entre eles, e as visões do mundo, da família, de sonhos de Fabrício e Ana Cristina se convergiam. Desde então, de um namoro consolidado, amadurecido, traçou-se uma história dos primeiros tijolos deste sonho.
A partir deste momento, todo planejamento e detalhes da casa eram cuidadosamente discutidos. Embora decididos, pouco se preocupavam com o tempo e os obstáculos que poderiam advir durante a caminhada. A simplicidade, o clima de divertimento e descontração prevalecia entre eles. O importante para Fabrício e Ana Cristina era que a transformação de um sonho em realidade estava apenas começando, e a idéia os fortalecia, unindo os mais intensamente, através desta construção comum, os laços amorosos. Desde a compra do terreno em área nobre da cidade, a planta da residência, cada pormenor discutido, trazia consigo algo onírico e prazeroso de um casal em plena felicidade, em início de suas realizações.
Todos os esforços, o trabalho, eram arduamente direcionados à construção. Fabrício trabalhava até tarde da noite e Ana Cristina não fazia diferente, não mediam sacrifícios quando se tratava da casa de seu sonho. Sabiam que mais cedo ou mais tarde terminariam a construção, então desfrutariam em seu lar momentos alegres com os filhos e amigos.
Os anos se passaram, Ana Cristina e Fabrício se casaram, tinham 23 e 25 anos. Como a construção já estava praticamente habitável, apesar das obras estarem pela metade, mudaram-se para a casa. Para Fabrício o fato de se morar em uma residência em construção era um tanto desconfortável, mas trazia as economias de um aluguel que poderiam ser aplicados em materiais e mão-de-obra, agilizando sua construção.
Amigos e parentes os visitavam constantemente. Admiravam a imensa obra, ainda inacabada, com piscina, área de churrasqueira, cinco quartos, enorme sala de visita, amplo abrigo para diversos carros, enfim, pedacinhos de sonhos que compõem uma obra. Esta bela casa de dois andares, dois sonhos juntos, precisou ser interrompida por alguns anos, em função da atenção e dedicação que teriam que dispensar aos dois filhos que chegaram: Hugo e Priscila, futuros herdeiros da residência.
Quando os gêmeos já estavam com quatro anos de idade, as obras recomeçaram, e durante um ano teve prosseguimento, até que uma nova visita chegou à sua casa. Era o terceiro filho. Ana Cristina e Fabrício, sempre quiseram ter três filhos, outro sonho que cultivavam paralelamente ao da construção da casa própria. Tomados de felicidade, pouco se importavam neste momento com a casa. A família crescera. Novos objetivos. Novas perspectivas. Adia-se um sonho, realizam-se outros, conversavam os dois. Os paparicos eram agora dedicados especialmente a Gabriela, recém nascida, divididos com Hugo e Priscila.
A casa era apenas um sonho, lugar onde pudesse abrigar todos e confortavelmente. Acolher os amigos e passar longas horas de lazer e confraternização, portanto poderia esperar, sem prazo para sua finalização, concordavam os dois, e que neste momento, a importância maior deveria ser dedicada aos filhos. O futuro deles, os estudos, a educação, a construção familiar, passaram então a ser as prioridades de Fabrício e Ana Cristina.
Durante muitos anos, o vôo ao espaço infinito, ficou na plataforma preste a ser reativado. Os astros, agora nesta constelação, possuíam brilho próprio e cada um dos filhos, crescendo, foi encontrando sua própria órbita, construindo seu próprio sistema galáctico. Todo este universo em harmonia não foi em vão, apenas o número de translação se alterou.
Há um ano a casa ficou pronta. No jardim florido e bem cuidado, a placa de vende-se é o destaque. Internamente um silêncio profundo invade a residência. Fabrício e Ana Cristina conseguem quase ouvir a respiração um do outro. Fabrício se levanta, toma do jornal que está no braço do sofá, e fará novamente a ligação para o número circulado nos pequenos anúncios: Aluga-se apartamento com um dormitório.