LAVAR A ÉGUA
Para Luiz Elpídio, o Luizinho Bilheteiro.
Para Luiz Elpídio, o Luizinho Bilheteiro.
Dava pena o gago Cotrin. Instou tanto o pobre rapaz a comprar que comprou. Finalmente, deixou-se convencer por seus argumentos que eram, por assim dizer, bem próximos às súplicas.
Não que o amigo cambista merecesse tão grande resistência sua, pois se tratava de boa pessoa, mas, em si, é que não cabia a mais profunda aversão por jogos. Mesmo assim, meteu o bilhete no bolso do paletó e, contrafeito, despediu-se do amigo recebendo deste --- que o mantinha pelo braço --- entusiásticos votos de boa sorte, embrulhados por breves casos de felizardos que embora desdenhassem dela, haviam “bamburrado”.
--- Xavier não foi assim?... brigou, dispensou até o fim e veja no que deu!... hoje é homem de posses! Gaguejou com dificuldade.
Ansioso com a partida, Aguiar despediu-se novamente, afastando-se aborrecido. Para o bem ou para o mal, pensou, a sorte está lançada; afinal, são mil e poucos cruzeiros em jogo, conformou-se.
Confessou-me, porém, o rapaz, que à noite até chegou a pensar no tal Xavier e no seu golpe de sorte; mas a desilusão quanto a isso lhe vinha rápida. Seus planos e seus desejos eram quais bolhas de sabão num espinhal: mal formavam, iam de encontro a um espinho pontiagudo estourando silenciosamente. Não tinha ânimo com esse tipo de coisa; acabou adormecendo.
No outro dia, à tardinha, bateu-lhe à porta o Cotrin. Espavorido, gaguejava no afã de dizer-lhe algo, lhe tomando o braço como apoio. Gaguejava e gaguejava o aflito bilheteiro, incapaz de articular sequer uma primeira sílaba.
--- Ganhei! Acudiu-o o morador e silenciou ante o pasmo do agitado visitante. A imagem de um Xavier vitorioso voltou abrupta em sua mente, iluminando-lhe o cérebro pretensioso. Acudira ler na intempestiva afobação do cambista, alvíssaras relativas ao dia anterior. Acendera, no incrédulo Aguiar, instantaneamente, a lâmpada fria e inata da ambição humana.
Quanto ao silêncio do outro, este, em absoluto, por força de sua imaginação capitosa, não constituía um contraponto a inibir as asas desse sonho que teimava em fluir embalado pela feliz expectativa de uma fortuna cair-lhe repentinamente às mãos.
Espinhal? Ora, qual criatura em seu juízo atual de poder e riqueza haveria de lembrar-se de um espinhal? E com boa razão, o chavascal bem devia estar, com suas galhadas e tudo, encerrado no calabouço de sua momentânea ilusão. Que as bolhas dos bons desejos viessem fluir agora bem vindas, livremente!
--- Ganhei! Repetiu sacudindo o outro.
--- Ganhou! Articulou de vez o gago mais surpreso com a fluência que propriamente com a insistência do morador.
--- Quanto? Porém, o pobre cambista, agoniado, voltara a apalermar-se na gagueira. Por seu lado não conseguia esclarecer nada.
--- Mi... mi... mi... – não progredia mais.
--- Milhões! Forçou-o com maior convencimento.
--- Mi... mi... milhões... fo... fo...
Finalmente uma confirmação! Embora a resposta viesse truncada, a euforia de Aguiar não deixou o amigo continuar. O delírio havia-o envolvido de vez! Previa-se já dono de meio bairro; rendia promessas admiráveis ao pobre Cotrin, e mais ainda, planos extravagantes ao vil metal. Que a vida, doravante, lhe rendesse as devidas graças! Por ora, os amigos! As comemorações os aguardassem! Sem delonga, o exaltado rapaz desconheceu a visita; rompeu a porta da rua num raio, partindo em desabalada carreira. Quem diria, hein!
--- “Louca impaciência”,--- pensou um solitário Cotrin, ---“ele não esperou eu terminar. Quem ganhou milhões fo...fo...foi o meu pai; ele é que “bamburrou”, ele é que lavou a égua! Eu vim aqui dizer que coube a ele uma pedra caída, coisa de recuperar o jogado”...
Ao deixar a casa de Aguiar a sós, lamentou-se consigo completando o pensamento que não conseguira dizer atrás:
--- Mi... mi... micharia!
Não que o amigo cambista merecesse tão grande resistência sua, pois se tratava de boa pessoa, mas, em si, é que não cabia a mais profunda aversão por jogos. Mesmo assim, meteu o bilhete no bolso do paletó e, contrafeito, despediu-se do amigo recebendo deste --- que o mantinha pelo braço --- entusiásticos votos de boa sorte, embrulhados por breves casos de felizardos que embora desdenhassem dela, haviam “bamburrado”.
--- Xavier não foi assim?... brigou, dispensou até o fim e veja no que deu!... hoje é homem de posses! Gaguejou com dificuldade.
Ansioso com a partida, Aguiar despediu-se novamente, afastando-se aborrecido. Para o bem ou para o mal, pensou, a sorte está lançada; afinal, são mil e poucos cruzeiros em jogo, conformou-se.
Confessou-me, porém, o rapaz, que à noite até chegou a pensar no tal Xavier e no seu golpe de sorte; mas a desilusão quanto a isso lhe vinha rápida. Seus planos e seus desejos eram quais bolhas de sabão num espinhal: mal formavam, iam de encontro a um espinho pontiagudo estourando silenciosamente. Não tinha ânimo com esse tipo de coisa; acabou adormecendo.
No outro dia, à tardinha, bateu-lhe à porta o Cotrin. Espavorido, gaguejava no afã de dizer-lhe algo, lhe tomando o braço como apoio. Gaguejava e gaguejava o aflito bilheteiro, incapaz de articular sequer uma primeira sílaba.
--- Ganhei! Acudiu-o o morador e silenciou ante o pasmo do agitado visitante. A imagem de um Xavier vitorioso voltou abrupta em sua mente, iluminando-lhe o cérebro pretensioso. Acudira ler na intempestiva afobação do cambista, alvíssaras relativas ao dia anterior. Acendera, no incrédulo Aguiar, instantaneamente, a lâmpada fria e inata da ambição humana.
Quanto ao silêncio do outro, este, em absoluto, por força de sua imaginação capitosa, não constituía um contraponto a inibir as asas desse sonho que teimava em fluir embalado pela feliz expectativa de uma fortuna cair-lhe repentinamente às mãos.
Espinhal? Ora, qual criatura em seu juízo atual de poder e riqueza haveria de lembrar-se de um espinhal? E com boa razão, o chavascal bem devia estar, com suas galhadas e tudo, encerrado no calabouço de sua momentânea ilusão. Que as bolhas dos bons desejos viessem fluir agora bem vindas, livremente!
--- Ganhei! Repetiu sacudindo o outro.
--- Ganhou! Articulou de vez o gago mais surpreso com a fluência que propriamente com a insistência do morador.
--- Quanto? Porém, o pobre cambista, agoniado, voltara a apalermar-se na gagueira. Por seu lado não conseguia esclarecer nada.
--- Mi... mi... mi... – não progredia mais.
--- Milhões! Forçou-o com maior convencimento.
--- Mi... mi... milhões... fo... fo...
Finalmente uma confirmação! Embora a resposta viesse truncada, a euforia de Aguiar não deixou o amigo continuar. O delírio havia-o envolvido de vez! Previa-se já dono de meio bairro; rendia promessas admiráveis ao pobre Cotrin, e mais ainda, planos extravagantes ao vil metal. Que a vida, doravante, lhe rendesse as devidas graças! Por ora, os amigos! As comemorações os aguardassem! Sem delonga, o exaltado rapaz desconheceu a visita; rompeu a porta da rua num raio, partindo em desabalada carreira. Quem diria, hein!
--- “Louca impaciência”,--- pensou um solitário Cotrin, ---“ele não esperou eu terminar. Quem ganhou milhões fo...fo...foi o meu pai; ele é que “bamburrou”, ele é que lavou a égua! Eu vim aqui dizer que coube a ele uma pedra caída, coisa de recuperar o jogado”...
Ao deixar a casa de Aguiar a sós, lamentou-se consigo completando o pensamento que não conseguira dizer atrás:
--- Mi... mi... micharia!