Carne e Osso
Descia as escadas. Havia algo de belo emergindo do compasso, do posicionar das pernas atreladas ao som do finíssimo salto alto de seus sapatos achados em cores. Não havia ainda presenciado coisa assim, tentei revirar o arquivo que poderia compor os traços perfeitos daquele cenário e daquela cena estética. Sem poder mensurar o tempo, pois eu estava plenamente retirado do cenário habitual, talvez desse mundo ordinário, o lugar virara carne, todo ele era encarnação, meu olhar, meu pensamento, meus desejos, o corpo de nós dois, enfim, se haviam outros olhares vigilantes, como poderíamos dizer? Digo por ela, por mim, porque ali nos encontramos e nos beijamos como se fosse a primeira vez de dois adolescentes cobertos pela graça de se sentirem num só corpo. Ela uma Advogada de 26 anos, que acabara de atender o último cliente do dia, Eu era alguém que todos os dias esperava por saber se aqueles olhos negros queriam mesmo há muito me devorar. Daquele verâo a diante, em Ipanema, até aqueles que jamais imaginaram poder existir ligação amorosa entre Isabel e o rapaz negro que todas as tardes subia os degraus que davam ao escritório, herdado do pai da moça, apreciavam o casal de mãos dadas e encarnados: ao calçadão, à praia, ao vento, ao verde das árvores, às outras pessoas, negras e brancas, turistas e gente da periferia, dali mesmo, do Rio de janeiro. Isabel era doce, muitos cobiçavam seus lábios. Ele era simplesmente ele. Juntos nem eram exemplo, nem eram repetição alguma, eram carne e osso. Transcorriam afora talvez sem saber que era década de 70.