O Jogador - Prólogo
Heitor caminhou lentamente em volta da mesa de bilhar. Estava tenso, mas não deixava transparecer o medo de errar a bola preta encostada na tabela inferior, distante da bola branca. Encarava a bola da vez como se somente ela existisse no mundo, e o mundo se resumia ao pano verde de algodão. Seus passos firmes provocavam um estalo ao contato da sola de seus sapatos de couro preto com o assoalho de madeira do salão, lembrando o estalo das bolas de resina se chocando minutos atrás. Isso o acalmava na-quelas horas, distanciava-o da realidade, dos olhares curiosos lançados pelos expectado-res da partida sobre ele.
Parou no canto superior da mesa, próximo à bola branca. Observou a oito encos-tada na tabela como se quisesse entrar pelo pano e amalgamar-se à borracha vulcaniza-da. Não podia errar. Não podia perder todo o dinheiro que conseguira com as apostas numa disputa acirrada contra o vencedor da casa, um homem bronco, típico trabalhador braçal, a quem chamavam de Murro.
Heitor pegou o cubo de giz azul e passou na ponta do taco, com movimentos circulares. Abaixou seu corpo com precisão, formando um belíssimo ângulo reto. O taco deslizava na ponte que fizera com os dedos e por pouco não tocava na bola branca, vol-tando apressado para trás. Estava ofegante, não conseguia a concentração necessária para pôr a bola na pequena rede e receber os seus R$ 10.000,00 da aposta. Era dinheiro demais para perder numa tacada. Passara a noite perdendo do Murro somente para au-mentar as apostas até que chegou o momento derradeiro. Desta vez não podia perder, e justamente desta vez a bola final ficou em uma posição difícil demais até mesmo para ele em seus melhores dias de sinuca.
A poucos metros, Murro sorria com um homem bem vestido. Estava claro que era o seu investidor. O contraste entre os dois era notório, tanto que chamava a atenção. Enquanto Murro vestia uma velha calça jeans e uma camisa de botão encardida, seu investidor trajava um impecável terno azul-marinho. Os dois sorriam, dando a vitória como certa, apesar de o homem bem vestido ter nos olhos um leve brilho temerário.
Heitor puxou o taco mais uma vez e, com toda sua força, lançou a bola branca em direção à preta. A bola branca resvalou na lateral da bola oito e voltou violenta para o ponto de onde tinha partido furiosa, enquanto a outra rolava lentamente em direção da caçapa. Ela rodopiou, iria parar ali, pronta para ser morta na próxima tacada, quando a bola branca voltou rápida e certeira, impulsionando-a para o buraco.
Murro arregalou os olhos, não acreditando que Heitor conseguira vencer o jogo. Seu sorriso desapareceu do rosto e uma expressão de ódio o tomou.
Heitor virou-se para o investidor e disse:
— Estou com sorte.
O homem apenas confirmou com a cabeça e meteu as mãos no bolso do paletó, tirando um maço de notas.
— Aqui está. — Pôs o dinheiro sobre a mesa e saiu naturalmente, sem esboçar reação.
— Sua sorte acaba aqui, desgraçado — retrucou Murro, seguindo seu investidor como um cachorrinho, com o rabo entre as pernas.