A Arte - os artistas e os arteiros
Vou contar-lhes uma lenda que, se viesse a acontecer nos dias de hoje, até poderíamos acreditar como sendo verdade, visto estarmos nos acostumando com a desfaçatez e a embromação, onde qualquer tipo novo de estelionato passa a ser mais um caso “normal” de procedimento popular:
“Era uma vez um rei muito poderoso, cuja filha era uma garota linda, culta, delicada e de bom coração, muito desejada pelos jovens do reino, que tudo fariam para serem escolhidos como pretendentes à sua mão. Sabedor disso, esse rei impôs uma série de condições para quem ousasse a se aventurar em concorrer a tão preciosa prenda, portanto foram muitos os candidatos, mas como ninguém conseguia preencher todos os requisitos exigidos, ela continuava à espera do seu ‘príncipe encantado’, pacientemente. Um dia, apresentou-se um rapaz, simples aventureiro, não pertencente às paragens do reinado, que não preenchia muitas das condições monárquicas como: ter sangue nobre, ter participado como combatente corajoso e destacado em guerras importantes, possuir uma cultura que estivesse à altura de um verdadeiro príncipe, e assim por diante. Acontece, porém, que por ser um belo cavaleiro, de porte altivo e possuidor de uma contagiante simpatia, a princesa resolveu interceder em seu favor, solicitando ao seu pai que lhe desse uma oportunidade, pois ele, mesmo sabedor de que não teria a mínima chance de concorrer, estava se apresentando como pretendente, logo seria interessante saber o porquê de tanta coragem e irreverência. O rei, então, mandou chamá-lo e disse-lhe, lançando um grande desafio: '_Meu rapaz, você terá que me mostrar a razão de tamanha ousadia em vir se apresentar, com a pretensão de se casar com minha filha, sendo você um simples aventureiro, e se não conseguir me convencer, você será decapitado em praça pública pela sua insolência, ou então desapareça destas terras, sem olhar para trás.’ No final da história, eles acabaram se casando e foram felizes para sempre!”
Acredito que todos querem saber qual foi o argumento usado pelo jovem, para conseguir superar tão tenebroso desafio, saindo-se milagrosamente bem, embora tudo lhe era contrário para lograr êxito.
Ele respondeu ao desafio, lançando uma proposta difícil de ser recusada, pois deixou o rei “morrendo” de curiosidade em saber qual seria o resultado final de tamanha firmeza de atitude, além do total desprendimento de alguém que estava colocando seu pescoço a prêmio, como se estivesse participando de uma simples partida de gamão. O rapaz disse ao rei que ele era um artista de grandes poderes místicos e que, por isso, seria capaz de pintar um quadro que iria maravilhar a toda a corte, principalmente ao monarca, a ponto de ele mesmo vir a oferecer a mão da sua filha, como recompensa. Para ele criar essa obra de arte, pediu que o rei lhe concedesse um ambiente bem amplo e muita tinta de parede, e que lhe fosse dado o prazo de um mês, até completá-la, quando deveriam ser convidados todos os senadores e ministros, mais um número grande de convidados da alta sociedade do reino, para darem seu veredicto final, que, se não fosse unanimemente favorável, iria custar-lhe a cabeça.
Um pouco antes de abrir a cortina que cobria a obra de arte, o jovem artista declarou a todos que ali havia uma pintura na qual ele teria aplicado uma energia cósmica de muita vibração, de maneira que apenas as pessoas de alta nobreza de alma seriam capazes de enxergar a obra, em sua plenitude, e assim poderiam fazer os seus julgamentos, enquanto às demais, teriam de se eximir de darem opinião, por não estarem preparadas espiritualmente para admirarem o que ali havia sido pintado. O engraçado de tudo isso é que a pintura mesmo não passava simplesmente de uma demão de tinta branca, cobrindo toda a parede. Foi assim que a história teve um final feliz, tudo por causa da grande aclamação geral!
Pois é, hoje as coisas continuam no mesmo – estão fazendo da arte uma esculhambação de alta categoria, seja na pintura, na escultura, na música, na leitura, no jornalismo e tudo o mais – e ainda existe quem julgue possível que, nós, os mais esclarecidos e autênticos, aceitemos isso passivamente. _Chega!