A MUDANÇA
Certa vez um jovem noviço foi passar um tempo no mosteiro, lá nos Alpes itabunenses. Sempre que possível, ele saia do mosteiro ao lado do seu velho mestre, um monge beneditino. O jovem pouco conhecia o lugar e pouco sabia o que era pobreza.com o passar dos tempos ele quase toda manhã caminhava para refletir, pensar, se encontrar. Certa vez, numa manhã fria de inverno, o jovem desceu dos alpes pelo lado norte, sempre junto com seu mestre. Passaram pela frente de uma pobre roça e lá avistaram uma casinha, um velhinho sentado num banquinho aos pedaços encostado num muro de tijolos podres, uma vaca magra, mungindo, feiosa. Uma pobreza só. O mestre nada disse, nada comentou, o jovem ficou indignado em ver aquela imagem da miséria, enquanto no mosteiro havia fartura.de tarde o jovem desceu novamente e se encaminhou até a roça:
- Bom tarde, senhor.
- Boa, mínimo, o que vosmecer manda?
- Eu... Não mando nada, meu senhor. Mas, o que fazes para viver?
- Bem, temo uma vaquinha, que de vez enquanto nos dá um leitinho, meus fio vez outra manda um trocado da capitá... Má pro que a pregunta ? Mó de quê tanta indagação?
- É que fiquei preocupado com a situação de vossa pessoa...
O jovem olhou bem para aquele velho e viu a velha na janela tosca da casinha de sapé, e ouviu a vaca magrela ruminando e solitária amarrada em um madeiro cheio de cupim.
Passou alguns dias e ambos saíram para meditar, no dia anterior havia chovido torrencialmente. Passaram ao lado da roça e não viram a vaca, estava tudo quieto, depois num lamaçal, parecendo um pequeno brejo os dois viram a vaca tentando sair daquele lugar. O jovem ficou angustiado e o mestre nada fez... Olhou cabisbaixo, não reagiu, nada. Aquilo deixou o jovem noviço, estudante do seminário, para ser mais um novo sacerdote, magoado, irado, revoltado.
Naquele mesmo dia ele foi embora, largou a batina de seminarista, voltou para a sua casa em santo amaro da purificação e foi trabalhar como gerente num banco em salvador. Passaram-se dois anos e ele estava de férias, pensou em visitar aquele velho da roça que perdera o seu sustento e nem fora ajudado pelo ex-mestre. Mas quando chegou na redondeza viu algo diferente. A casinha caída aos pedaços não estava mais naquele lugar, tudo mudado, tudo. Havia um casarão imenso, uma cocheira, parecia que alí era um haras, apesar de ter umas vaquinhas por perto. Um senhor chegou ao seu lado montado num alazão, um homem gordo, corado. O jovem gerente perguntou-o:
- Bom-dia, o senhor mora por aqui ?
- Sim, moro.
- Não havia neste lugar uma roça humilde, ali tinha um pedaço de pau onde amarravam uma vaquinha, e um velho magro, tristonho morava aqui...o senhor comprou o terreno dele ?
O homem saltou do cavalo, olhou bem para o jovem e disse-lhe:
- Olha, moço, eu não comprei terreno nenhum, eu era aquele velho magro e tristonho...mas certo dia teve uma chuva danada, levou quase tudo, minha vaquinha morreu num brejo e eu e a véia, ficamos pensando: olha se a gente ficá desse jeito, num vamo pra lugar nenhum. Entonce fumo prantar, mío, mandioca, banana, acerola, cacau, aí hoje nós colhemo os louro do trabaio, somo feliz...sabe também, aquela vaca tava sendo nossa ruína...hoje tô forte, saudável, a véia tá bonita, os fio vem todo o mês visitarmos...
O jovem ficou horas e horas ouvindo aquele fazendeiro com seu palavreado camponês discernir o antes e o depois do vendaval de sua vida, e entendeu a ação que seu ex-mestre havia feito. Ele sabia que no fundo haveria uma grande mudança e que era preciso acontecer algumas tragédias para que nós possamos dar conta de mudarmos também as nossas opiniões e os nossos conceitos.
( História contada por Padre Léo no acampamento na Canção Nova)