Contágio

Rodolfo trabalhava na área de Recursos Humanos de uma empresa industrial. Já se iam quatro anos.Suas tarefas consistiam em entrevistar pessoas para seleção funcional, propor e assessorar cursos de treinamento e participar de reuniões de avaliação de desempenho dos funcionários. Atividades feitas a contento que tinham rendido promoções dentro do staff empresarial.

Seu uniforme era o terno-gravata característico dos gerentes.Tinha um aspecto físico impecável, desde o cabelo até as unhas.Poderia ser considerado uma pessoa de confiança, ponderada e meticulosa.Assim, pensavam seus superiores.

No entanto, Rodolfo escondia em seu íntimo dificuldades de que se abstinha de falar.Apenas o analista conhecia seu segredo.Ele era hipocondríaco e o trato diário com pessoas, os intermináveis apertos de mão o pertubavam, sobremaneira.

A cada tossida mais forte, Rodolfo , disfarçadamente, passava um pano com álcool em sua mesa, logo após a saída do colega. Quando conversava com um funcionário que estava sofrendo de conjuntivite, suava frio, pedia licença e ia lavar mãos e rosto em seu banheiro privativo, alegando calor.

Entretanto, Rodolfo era admirado pelos escalões superiores que sequer suspeitavam de seus comportamentos pouco ortodoxos.

Certo dia, ele foi designado para acompanhar “in loco” uma capacitação de operários sobre segurança no trabalho. Entre outras atividades estavam os cuidados com inflamáveis e procedimentos na contenção de incêndios.

Rodolfo precisava prestar assessoria ao pessoal. Este era um dos requisitos necessários para a empresa receber a certificação ISO 9001, que a credenciaria para uma expansão de mercado.

Lá foi ele, em meio a empregados suarentos e uniformes engraxados. Acompanhava-o seu chefe imediato e um parceiro comercial da empresa. Chegando ao local de treinamento, falou algumas expressões de praxe e deu por iniciado o trabalho, apresentando o instrutor.

O curso consistia em demonstrações de como proceder corretamente no transporte de itens inflamáveis, seu armazenamento adequado e, num momento posterior, a prática de combate a sinistros.Tudo transcorreu normalmente na exposição teórica.O grupo parecia ter boa qualificação e interesse.

Veio a parte prática. Foi colocada gasolina num container e os operários deviam apagá-lo com extintores de incêndio.

Um rapaz franzino pegou o primeiro extintor e tentou romper o lacre.Não conseguiu num primeiro momento.A contragosto, Rodolfo, foi ajudá-lo.Deu rápidas orientações e devolveu o extintor ao rapaz.Este tentou romper o lacre, novamente. Num movimento mais brusco, conseguiu.Neste momento, um jorro de sangue espirrou de seu braço e atingiu Rodolfo no rosto.

Rodolfo desabou como nocauteado.Sentiu um calafrio percorrer-lhe o corpo.Pensamentos dançavam, como num redemoinho. O rapaz poderia ser um soropositivo, ter hepatite ou outra doença contagiosa.O que fazer?

Seu chefe acudiu de pronto e, nervosamente, acionou o médico da companhia.Este veio, de imediato, acompanhado de uma ambulância e colocou Rodolfo lá dentro.Ele suava abundantemente e falava expressões confusas.Levou-o até um ambulatório próximo, conveniado com a empresa.

Horas depois, refeito, Rodolfo recebeu alta médica. Na portaria, pediu para um atendente chamar o táxi. Entrou no veículo e iniciou a viagem de retorno para casa.

Nesta noite não conseguiu dormir.Os pensamentos sobrevoavam sua cabeça. Se o rapaz cruzasse com ele, novamente? O que dizer para seu chefe?

Nesta mesma noite, amplamente envergonhado por suas dificuldades, Rodolfo levantou-se e ficou frente a frente com o computador.Começou a escrever algo que brotava de seu íntimo, imprimiu e, exausto, adormeceu.

Eram oito horas da manhã, Rodolfo ingressou na sala da diretoria.Em sua mão, a carta solicitando sua demissão. Em caráter irrevogável.