"Alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo."
Acendeu uma lareira baixinha para iluminar os cantos vazios da sala, na estante alguns livros de literatura barata que mais pareciam auto-ajuda, empoeirados, e sutilmente amarelados, o tempo realmente não perdoa.
Em uma mão um vinho branco, amargo, e seco, extremamente seco, contrariando as paredes úmidas daquele apartamento frio, na outra mão um cigarro de cravo que lutava para adoçar o paladar deixado pelo vinho, em vão.
Esticou as mãos, e pegou na gaveta um envelope, tão empoeirado quanto os livros, dentro dele algumas fotos, em preto e branco, retratando uma época que já não existe mais, sorrisos sinceros, garrafas vazias e cinzeiros cheios, a juventude manifestada por blues, sapatilhas e o bom e velho rock, a vida já não era mais como era antes, porém vagamente ela ainda valia a pena. Respirou fundo e se perdeu em nostalgias, cantou baixinho Legião Urbana e se lamentou por nunca ter sido Renato Russo, ou talvez Cazuza, pensou que realmente o que vale é ser “exagerado”, arrependendo-se por ser um rapaz que embora tenha leve impressão de que foi feliz, não teve coragem de extravasar, dançar sobre a mesa, ou fumar aqueles baseados loucos que a “galera” costumava fumar. Continuou revendo as fotos e se atentou para uma, lá estava ela, uma moça ruiva de cabelos cacheados, a pele branquinha, os olhos esverdeados que refletiam o sol, uma boca vermelha contrariando a época onde as moças deveriam ser reservadas, pois é, a única foto colorida daquele monte, provando que até em memórias Catarina era destaque. Apertou a foto contra o peito e derrubou algumas lágrimas, tentando apagar da memória o dia em que a moça lhe declarou amor eterno, como se existisse a eternidade, como se esta fosse algo que pudesse ser alcançado por pobres mortais que vivem as suas pacatas vidas como se nunca fossem morrer, inocentes, tolos, e felizes.
Lentamente guardou as fotos, apagou o cigarro e fechou os olhos, respirando fundo e invejando pessoas tolas que nunca vão se perder na solidão.