Negra Filó
Negra Filó
"A Assombração"
Carregava na mão um lampião, uma velha chamada Filó. Passava entre os currais, as casinhas (dos empregados) e a Casa Grande, assombrando até os patrões (principalmente)!
_Raimundo ouviu alguma coisa essa noite?
_Não senhor... A nega tava quieta.
_Noite passada gritava feito uma égua.
_(UHHHHHHHHHH).
_Senhor não fale assim que a nega se avexa.
Seu Rogério fez o sinal da cruz e foi no pasto olhar as vacas...
"De Noitinha..."
João Valente trotava de cavalo pela noite nas redondezas da Fazenda dos Junqueiras. Quando foi chegando perto o cavalo ficou tinhoso, danado de correr e saltar. João tentava domar o bicho, mas caiu foi no chão. O Torradinho pulou a porteira e foi sabe-se lá pra onde...
_Ô, de casa!... Ô, de casa!
Saiu a empregada Rosinalva de pijama e, João meteu os olhos...
_O que o senhor quer?
_...Noite moça!
_...Noite!... Desembucha!
_Nossa sinhô!... Tava vindo de viajem! Ia pra Moriçoca, mas meu Torrada endoidou , me deixou na mão, quer dizer, no chão (hehe)... Não tem um cantinho pra eu passar essa noite.
_Olha meu sinhô, nessa casa sou empregada, mas se quiser dormir naquela rede, na condição de acordar com o galo, pra ir embora antes do patrão levantar, pode dormir...
_Oxente! Tá bom! O galo canta e eu saiu voado... Mas será que a moça não quer me fazer companhia nessa rede?
_Sai de reto!
"Mais tardinha..."
João muito valente , o mais valente de Moriçoca, não temia os zum-zum-zum dos mosquitos, o relinchar dos cavalos, nem o mugido das vacas, mas estatelou no chão, tremeu feito vara de bambu em ventania, quando ouviu o grito da velha...
_Que diacho é isso sô, parece o ranger de dentes do capeta, afe Maria!
A velha arrastava a corrente no chão...
_(UHHHHHHHHHH)...
_Ai, ai, ai!!!
A Velha carregava o lampião, a luz aparecia e sumia...
João bateu na porta tremendo de medo. Saiu a Rosinalva.
_Quê é minha cruz?
_Ô, minha flor ,deixa eu entrar, tem alguma coisa muito estranha aqui fora...
_Já sei!É a Filó...
_Conhece a criatura?
_Por essas bandas todo mundo conhece, é a Filó, nega de senzala, que acende a luz do lampião toda noite e grita, como se ainda fosse chicoteada.
_Mas tem senzala por aqui?
_Teve há mais de cem anos...
_Pois então?
_É alma penada criatura!
_Credo em cruz... Deixa eu entrar...
_Não posso!
(POW)
_Bateu a porta! Bonitinha, mas ordinária...
João não podia dormir, não podia partir, não podia nem parar de tremer...
"Final"
Rosinalva volta e meia espiava da janela...
_Endoidou, o homem!Gritava...
_Apareça Filó, quero ter um papo de homem pra alma contigo... Vem cá assombração.
O grito da nega era mais alto e a luz mais forte a cada provocação...
_É isso mesmo apareça se for corajosa, coisa ruim!
Depois de um clarão que cegou João, apareceu na sua frente Nega Filó...
Ela era velha como diziam, mas tinha uma face de boneca de porcelana... Uma velha muito bela...
_O que quer coisa ruim?... Porque não me deixa dormir, ocê não dorme mais né?... E não quer deixar os outros...
A nega riu de mansinho, estendeu suas mãos amarradas por uma corda e pediu sutilmente...
_Desate o nó pra mim rapazote.
_Desato! Deve tá apertado...
_Obrigada!
Saiu sem dizer mais nada a velha, virou as costas e caminhou, abriu as porteiras e sumiu. Nunca mais apareceu naquela fazenda.
João foi entitulado herói em Roseiral também, dormiu uma semana na Casa Grande na cama do patrão e foi aquecido por Rosinalva, (não contem a ninguém, mas a filha do patrão também passou por lá)... Rosinalva subiu na garupa de João e foram embora, a recompensa dava pra comprar uma casa na cidade...
No caminho João coçou a cabeça...
_É piolho infeliz?
_É nada coração, só estava cá pensando, porque será que a Filó não apareceu mais na fazenda?...
Os dois coçaram a cabeça...
Chegando na cidade, tinha muitos negros de terno e gravata pelas ruas, acenando com chapéis, galantes... Até o prefeito era mulato (e não roubava como o Pita), havia muito desentupidores de esgoto branquinhos, loirinhos... João falou:
_Acho que aquela negra tinha poderes sobre a humanidade. Talvez não fosse uma alma, fosse um anjo. Talvez eu tenha desatado os nós da "Desigualdade"...
"Fim..."
Guilherme Sodré