Orquestra de um fim de tarde

A estação de trem estava quieta. Meus passos ressonavam e ecoavam naquela paisagem plástica: árvores margeando o firmamento, pássaros dançando no ar e aquele cheiro de jasmim característico. Era um lugar vazio. Um lugar vazio dentro de mim.

Parecia abandonada, como se não tivesse sido usada há anos. As paredes carcomidas e mofadas denunciavam, ao menos, que limpeza não existia. Carregando uma pequena mochila numa sensação utópica de que ali poderia levar coisas para uma viagem, sentei-me num banco parcialmente deteriorado e fitei o horizonte além da trilha. Sentia um frio voraz; o vento gélido cortante paralisava minha face. Levei as mãos à boca e expirei lentamente.

Depois de passar por problemas que tangenciam a vida afetiva, transformei-me numa pessoa rígida e sem muitos vínculos. Não queria carregar o peso de ter alguém, estava cansado das responsabilidades, das cobranças e das chantagens. Queria viver ao menos uma fase de liberdade plena em minha vida. Desconfio que fiquei louco, mas até quanto a essa hipótese eu reagia com indiferença. Saí andando sem propósito numa noite e, ao raiar do dia, me interessei por aquele lugar desértico e por lá fiquei.

Não sei exatamente quanto tempo passou, mas perdi grande parte desse procurando por pistas se aquele lugar era ou não utilizado verdadeiramente. Como era domingo, ficava difícil ter provas, mas reparei que o estado do trilho não parecia dos melhores - não existiam placas informativas e nem sequer uma bilheteria. O chão estava imundo, tudo estava imundo. Eu também.

No horizonte muito distante eu via penas. Verdadeiras plumas rodopiavam levadas pelo vento. O pôr-do-sol as tingia em cores que variavam em tons do vermelho ao laranja. Não procurei saber a razão daquele fenômeno; afinal, de que adianta saber que as engrenagens giram se elas continuarão girando, de qualquer maneira? Apenas me rendi à beleza e, estupefato, levantei-me. A miscelânea de cores se escondia por trás das nuvens e verdadeiros raios rubros iluminavam cubículos da mata virgem. Os animais não pareciam assustados.

- Dizem que quando o dia acaba, podemos ver as asas dos anjos... – Uma voz feminina e incisiva irrompeu, despedaçando o silêncio. Tremi. Meu coração acelerou como o de uma pessoa em morte iminente. Inicialmente tive medo de olhar pra trás.

- É uma cena fantasmagórica, porém de uma beleza imensurável. Dizem que não são todos que podem vê-la. – Mais calmo, pude reparar na beleza daquele timbre. Parecia uma sinfonia forte e calma, serena e profunda. Não sabia como reagir, mas não virei para visualizar sua silhueta. Sentei no banco novamente, as pernas estavam trêmulas.

- Como será que é ver aquilo de perto? Será que podemos tocar em suas asas? – Não conseguia imaginar a que distância essa mulher estava. As ondas sonoras pareciam titubear diretamente na minha mente. Mas, agindo como quem já tinha reparado sua presença, fiz de sua curiosidade a minha: eu, que sempre fui tão cético, não duvidava de cada excentricidade que aquela situação exibia.

As informações não surgiam na minha mente com muita clareza. Eu apenas fitava o cume da serra, perplexo diante do redemoinho angelical que culminara em seu ápice. De súbito, senti a mão absurdamente álgida daquela moça entrelaçar meus dedos. Sem questionar e sem fitá-la, percebi que ela queria me conduzir.

Ergui-me e segui com ela, caminhando em linha reta. Ao fundo o som de um trem finalizava a orquestra daquele fim de tarde.

Olgui
Enviado por Olgui em 14/06/2009
Código do texto: T1649229
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