Professor Paulo e Mademoiselle Lili

Era um jovem como qualquer outro. Era Paulo outrora Couto, mas hoje é Souza. Paulo Souza botou sua camisa e abotoou seu fraque verde. Curtos, arreganhados, loucos cabelos grisalhos os deste, mas só tinha trinta e quatro aninhos? Quem diria não? Olhos azulzinhos e um baita corpão.

Paulo trabalhava na escola da cidade, a única escolinha que alfabetizava naquela vilinha. Era tão pequeno o lugar que somente cinco alunos eram homenageados com as aulas de Paulo outrora Couto hoje Souza.

Dentre eles estava lá sua gracinha de ex-aluna, mademoiselle Lili... Pequena, frágil, de uma mente fértil. Ela cintilava seus belos olhos azuis e seus longos cabelos loiros ouro pelo ar. Oh Lili...

Paulo sentou próximo à Lili após a aula. Olhou bem fundo nos olhos delas e indagou-a:

- Oh Lili... O que fazes aqui?

- Poxa professor... Vim pra aula.

- Mas pequenina, não foi essa minha questão. O que eu quis dizer e ainda digo é...

- Sim?

- Oh Lili! O que fazes aqui?!

- Agora faz bem mais sentido...

Os olhares foram rápidos, os pequeninos chegaram e assim a pequenina se retirou para a aula correta na única escolinha que alfabetizava naquela vilinha. E assim Paulo outrora Couto hoje Souza lecionou.

É a noite que a tragédia aparece, aquele monstro que a todos os homens atormenta. Mas a nenhum de maneira igual, mais intensa ou branda. Foi aquela noite... Sim! Foi aquela noite! Paulo tem uma boa historia para não ser mais Couto... Sim ele tem... Mas não foi bem dela que a tragédia veio tratar.

Distante na névoa veio andando um ser a rodar e cinza colorido. Cabelos azuis voavam a todos os cantos e penas de ganso em todos os chãos e tetos. Paulo não estava assustado! E com força Tragédia dançou, cantou, berrou! Berrou! Berrou! E berrou! Ele berrou com todas as forças e dançou! Dançou! Dançou! E Dançou! Ele dançou e berrou e em todos os cantos estava. Sim! Sim! Sim! Ele estava! Em todos! Sim! Sim! Ele estava! Mas... De repente ele parou... olhou... A voz antes magna agora brandeou. Um assobio apareceu e com um jeito de passarinho veio o som:

- Paulo? Paulo... Paulo – ele rio – e ela Paulo?

- Ela? Como?

- Você é bom Paulo!

- Eu... Eu gosto muito dela como uma aluna.

- E porque das reticências então?

- Provavelmente uma técnica de escrita para exprimir uma hesitação.

- Então Paulo...

- Mademoiselle Lili é uma petit daminha de respeito.

- Oh... Sim, sim... Mademoiselle Francis também...

- Pare! Isso é trabalho da Angustia!

- Ou Arrependimento?

- Saia Tragédia!

- Saia Paulo!

E Paulo dançou, dançou, dançou e ao canto da porta sumiu. Junto com as penas de ganso Paulo sumiu. Junto com a musica, a força, o cinza colorido. Paulo se foi. E ali, de noite... ficou só ele. Lá, sozinho... Tragédia...

...

Paulo foi a noite para a casa da pequena mademoiselle Lili. Sabia seu quarto e tudo mais. Olhou para janela e de lá viu que ela estava acordada lendo. Foi mais próximo e cochichou.

- Hei... Hei...

Lili saiu do quarto e olhou para baixo. Viu ali seu querido professor Paulo Souza - ela nunca soube do Couto - e sorrio como uma criança que vê seu professor, mas Paulo entendeu diferente... Paulo viu ali o sorriso da mulher que vê seu amor.

- Lili, tem como você sair?

- Não que eu possa, mas tem sim.

- Então venha... Tenho algo de algo para lhe apresentar.

Lili foi ao canto da varanda, se agarrou ao parapeito e Paulo se postou embaixo. Ela largou e ele a segurou. Os dois correram na noite escura como dois amantes deviam correr... Livres!

Ao chegar a um parque distante Paulo olhou para Lili. A mulher dos seus olhos e mente e coração. Ela retribuiu, Lili agora era uma mulher. Aquela dama cresceu, amadureceu, não mais... Não mesmo... Não mais uma aluninha.

- Minha querida...

- Professor...

- Eu...

- Eu...

- Secretamente...

- Secretamente...

- Te desejo!

- Te amo!

Não foi surpresa. Ele a olhou firmemente. Encarou tudo aquilo com força e falou:

- Vim aqui hoje Lili para me livrar de um mal que me persegue. E assim te livrar de algo que iria te fazer sofrer. Lili, eu não posso te desejar... É contra a sociedade.

- Ahn? Como assim? O amor de um homem e uma mulher é proibido?

- Lili... A moral...

- Moral?

- A ética...

- Ética?

- As pessoas...

- Que pessoas? Pessoas? Que mito é esse Paulo, aqui somos somente nos dois. Somente nos existimos.

- Como assim? E todas aquelas pessoas em volta.

- Não há ninguém Paulo. Somos somente nós.

- A consumação...

- A consumação...

Lili era agora uma mulher feita. Uma mulher grande. Seu corpo havia crescido e sua voz mudado, mas a feição ainda era de uma criança. Culpa de Paulo! Mas ela gostou... Era o que ela sempre quis... Lili finalmente se completou.

Lili e Paulo consumaram o amor naquela eternidade única. Eles foram felizes naquele cantinho escuro até onde se lembram. Lili e Paulo foram felizes... Lili e Paulo foram felizes...

....

Na vilinha tão pequenininha que só tinha uma escolinha que alfabetizava. As pessoas se sentiram tristes. Foi no mesmo dia que duas pessoas queridas haviam sido levadas pela Tragédia.

Era noticia do jornal bucal do cotidiano da vilinha que naquela mesma noite, naquela mesma hora o bom professor Paulo, outrora Couto, mas hoje Souza, havia morrido de aneurisma de repente, e a boa menininha Lilian Vermond havia morrido do mesmo mal, e sem explicação lógica a tragédia que medico algum previu, foi na verdade o inicio da bela historia de amor. O pedófilo que matou a filha e a abusada que matou o pai – essa historia que nem traços tiveram, não?