O mito de Guilherme

...em campos distantes dos campos existia uma ovelha nada ovelhesca. Ela andava por vários lados em busca do que buscar. Essa ovelha, nada branca, nada fofa, nada de carne ou mesmo de alma. Essa ovelha buscava algo, que de nada tudo tinha tanto quanto a mesma.

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Guilherme acordou um pouco com sono ainda naquela manhã de domingo. Pegou o seu celular que tocava uma musica tão boa, mas que o irritava tanto naquele momento. “Um belo jeito para se destruir uma musica” murmurou para si mesmo. Desligou o aparelho e foi direto ao banheiro lavar o rosto e ver o estado que estava.

Sua cara estava amassada, seu cabelo desgrenhado e a barba era digna de um naufrago. Não que ele seja algo muito diferente, havia sim naufragado a pouco e só saiu do resgate ontem. Guilherme estava no seu ultimo período da faculdade e estava ilhado em meio Clousewitz’s, Keegans e Moltkes, sem falar nos vários nomes ainda mais estranhos à cultura comum que habitavam naquelas teses, monografias e livros de professores britânicos que ainda viviam.

Pois é, Guilherme resolveu lavar seu rosto disso tudo. Ao jorrar a água e acordar, ao tirar a barba e ver que ainda tinha um queixo, ao esfregar os olhos e realmente se ver. Guilherme... “Eu ainda existo...” O choque não era tanto, ele era inteligente o bastante para assegurar ao menos a própria existência – ou quem sabe burro o bastante para tal.

Após o banho, a roupa, a comida, as necessidades fisiológicas básicas, coco, xixi, punheta. Ele parou na sala e ficou pasmo. O tempo não era o mesmo, o tempo era lento, a vida era lenta, a cidade era lenta. Ele tinha tantos desejos, mas tinha mesmo? A gota da goteira caia devagar, e Guilherme ficou ali parado a apreciar o simples movimento do tempo.

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A ovelha correu, correu. Dentro de um buraco caiu, o buraco era fundo e escuro e lá dentro tudo a atormentava. De fato era perigoso ficar no escuro, afinal o escuro é o nada, afinal é sempre melhor ver o tudo.

O interessante é que a ovelha viu lá seres que andavam no nada. Seres estranhos de olhos enormes cabeças pequeninas, grandes orelhas, grandes bocas, grandes sensores em um geral. Eram vários, eles eram sérios... Não! Eles eram impassíveis. Mas de certa forma... Inquietos...

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“Hum vamos ver... Cadê meu celular? Vou ligar para alguém...” Guilherme pegou seu celular e começou a apreciar a lista telefônica. Nome a nome, em cada um via uma historia. É tão esquisita essa sensação de que ninguém mais é próximo de você. Ou ao menos era isso que ele achava.

“Mas... Chamar para o que? Aiai...Que complicação...” E era complicado mesmo, fazia uns meses, isso não basta para destruir um relacionamento, mas é o bastante para gerar bastante incerteza. Guilherme começou a se confrontar com o fato de que agora ele estava mais por ele mesmo que em qualquer momento de antes.

“Bom, tem alguns filmes que eu quero alugar. Depois eu vejo se vou para um barzinho com uma galera...” Pois é, mas ainda assim não estava tudo resolvido. Guilherme verificou que eram tantas as opções. E tudo agora cheirava tão bem, soava tão bem, aparentava tão bem. E tudo agora cheirava, soava, aparentava mais especificamente.

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A ovelha correu. Correu daquela escuridão, queria a luz! Queria a sabedoria! A ovelha tinha medo da luz das sombras, das sombras das luzes. Ela queria ver o tudo e entender o tudo. Ela correu... Correu... Mas tudo o que ocorria era que seu corpo se reduzia. Ela tentou abrir os olhos para ver a luz, mas não... Tentou instigar os ouvidos para ouvir a luz. Mas no fim ela gritou loucamente pela luz. A loucura era comum... E o medo fez parte dela. A ovelhinha ficou impassível, mas no fundo ela estava morrendo e por estar morrendo estava muito agitada, muito ansiosa pela luz...

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Guilherme parou. Guilherme parou de verdade, aquilo tudo para ele não existia, o que continuar? Porque continuar? Não exista razão alguma, não existia em que se apegar. Guilherme fechou os olhos. Ele sabia, estava na vida, mas queria dar um tempo...

Guilherme abriu os olhos e ele estava...