"A espera do meu milagre"

Mas os que esperam no Senhor renovarão as forças e subiram com asas como águias;
Correrão e não se cansarão, caminharão e não se fadigarão! Is 40:31




Acordei sobressaltado. Na minha mente aquelas palavras:
“Eu o Senhor, te tirarei deste lugar, te colocarei num lugar de excelência e no meu tempo te levarei a correr o mundo e pregar a minha palavra, porque assim Eu o quero!”
Olhei ao redor, ainda era a mesma praça, o mesmo banco, os mesmos velhos farrapos a me proteger das noites de frio.
Sem conhecer o carinho de mãe, o afago de pai e a segurança de ter uma família eu ia sobrevivendo um dia após o outro confiante que o meu milagre chegaria.
Foi numa madrugada que O conheci.
Aquelas pessoas entregando um caldo quente e um pedaço de pão, falava do Seu Amor.
Menino novo, treze anos, perambulava pelas ruas de Recife, acometiam de medo as senhoras que transitavam pelo centro da grande cidade, que abraçavam suas bolsas tentando protegê-las, acreditando que eu iria roubá-las.
Queria tanto um abraço, mas quem abraçaria um imundo, roupas puídas, cabelos desgrenhados, quanto tempo eu não sabia o que era um banho.
Era repugnante para os outros, mas não para Ele.
Naquela madruga fiquei atento aquela pregação. Jesus, que andava com os iletrados e marginalizados de sua época e era Rei, será que Ele caminharia comigo?
Sedento por descobrir entreguei-me completamente a Ele, sim havia um plano de Deus para minha vida, eu não sabia como tal plano se concretizaria, eu só sabia que naquele momento dei um passo crucial para a mudança que me aconteceria.
Recebi dos “irmãos” O Novo Testamento, mas não ganhei o sonhado abraço e logo descobriria que eu não era “irmão”.
Andava com aquele livro como se ele fosse o meu maior tesouro, ele era o meu tesouro, eu não tinha nada além da vida. Acreditei que ele seria meu passaporte para uma nova vida, que ilusão.
Toda vez que me achegava de alguma igreja em busca de ouvir lenitivo para minha alma sofrida e fatigada, era enxotado pior que cão sarnento.
Gesticulava com o livro em mãos e gritava: “Eu sou crente!”
Não adiantava, ouvia a mesma coisa sempre que tentava me aproximar.
-Crente nada! Você está atrás é de roubar alguém! Fora daqui menino!
Saia com a cabeça baixa e olhos mareados, apertando de contra o peito o Novo Testamento, meu único amigo, se ao menos eu soubesse ler. Voltava para mesma praça, via as pessoas felizes, o mar gigantesco se abria todo para mim, no entanto eu só queria um abraço, um afago. Mas só conhecia o desprezo.
Lembrava-me do sonho, mirava o céu perguntado a Ele, quando Senhor?
Silêncio.
Assim os dias se passavam, semanas, meses, persistia em entrar em alguma igreja, eu só queria ouvir a palavra, em vão, minha mendicância me condenava à exclusão.
Passei então a ouvir debaixo das altas janelas as pregações, nas madrugadas quando os “irmãos” vinham distribuir o caldo e o pão, quando não tinha janela aberta, ficava do outro lado da rua, tentando ouvir alguma coisa, pois não permitiam me ficar em frente à igreja.
Chorei muito, de tristeza e de amargor na alma. O pouco que conseguia ouvir fazia me pensar onde o coração de Cristo habitava naquelas pessoas.
Bem vestidas, senhores com seus ternos escuros, bíblia debaixo do braço, fala mansa e o coração duro, dedo riste a me apontar e julgar-me pela aparência pobre. Que escolha tive eu?
As senhoras com seus cabelos sedosos presos num elegante coque, vestido de linho, sorriso nos lábios e um coração cheio de fel, me desprezavam e se agarravam aos filhinhos como se eu fosse algum bicho-papão.
Isso tudo doía muito em meu coração e eu voltava abatido para meu banco, enlaçava-me em meus trapos velhos e chorava.
Onde aquela promessa se cumpriria em minha vida.
Não tinha como, analfabeto, sujo, andarilho... Quem em sã consciência me daria à mão.
Foi aí que os planos de Deus começaram agir.
Havia se passado um tempo, eu havia conseguido um serviço que me garantia um prato de comida. Recolhia o lixo de um abastado colégio, chegava as sete da manhã e voltava para praça as onze da noite. A comida sempre vinha fria, mas eu rendia graças aos céus e ao Senhor por aquele alimento.
Sentia-me feliz por ser útil e ter uma recompensa por isso. Muitas vezes fui humilhado, os alunos, jovens como eu, passavam com suas namoradinhas e para se mostrarem chutavam para longe o saco de lixo. Espalhando tudo outra vez.
Riam e diziam alto como que discursando:
-Recolhi tudo, porque é pra isso que você está aqui seu lixo, para recolher o lixo.
Eu nada respondia; resignado varria todo calçadão e a noite quando recebia o pago pelo meu serviço o erguia e consagrava ao meu Deus, que não me deixasse faltar aquele prato.
Uma senhora dona de uma das barracas de lanche olhava para mim e perguntava:
- Será você maluco para receber está comida gelada a está hora e ainda dar graças a Deus?
Eu achava até engraçado, por causa da careta que ela fazia enquanto falava.
- É por que a senhora não conhece o meu Deus! Respondia e tomava rumo para praça e para o banco que me servia de cama.
Orava com ferver, mas sempre perguntava quando Senhor, quando vais me tirar daqui conforme prometeste?
O vento e a ressaca do mar eram minhas únicas testemunhas.
E mais dias se passaram e quando eu estava quase feliz com aquela vidinha fui dispensado dos meus serviços.
Contrariado entrei num ônibus e sentei-me ao fundo para não causar maior alvoroço do que estar lá dentro. Mantinha minha cabeça baixa e olhos fixos no chão e quase com revolta indaguei a Deus, como o Senhor será capaz de mudar minha história? De me uma única prova do teu favor!
Nem percebi o senhor que se sentou ao meu lado, ele devia ser doido, sentar se ao lado de um maltrapilho? Eu sabia que o cheiro que exalava de minhas vestes não era o mais agradável.
Escutei sua voz grave dizendo-me:
- Menino, quem você pensa em ser para questionar ao Senhor? Por acaso achas que Ele seja como os homens que não é fiel para cumprir sua palavra?
Senti um frio e calor ao mesmo tempo, as palavras fugiam de minha boca, com olhos vidrados no homem bebia das palavras deles como se elas fossem água e eram, mas eu não sabia.
- Preste atenção, não se revolte contra o Senhor e nem queira saber como Ele fará saiba que Ele fará!
Inclinei minha cabeça e fechei os olhos murmurei algo como uma prece, deve ter sido apenas um segundo quando me ergui o homem tinha sumido.
Olhei os demais bancos, ninguém havia dado sinal para parada, onde estava o homem?
Cheguei ao meu destino ainda olhando ao redor, nem sombra do homem, anos mais tarde o Senhor me revelaria que fora um anjo que estivera comigo.
No dia seguinte acordei com um velho me cutucando.
-Acorda menino, acorda!
Arregalei os olhos pensando o que eu teria feito, ou melhor, do que me acusavam para àquela hora estar sendo acordado a cutucões.
-Levanta depressa e vai até o ponto de parada dos ônibus e fica lá, alguém vai falar contigo.
-Meu senhor se acalma, o que eu vou ficar fazendo lá igual a tonto e esperando quem?
-Não retruca menino! O Senhor não me deixou dormir essa noite, mostrou-me você e o lugar que te encontraria e me deu essas instruções, eu sou pastor, acaso duvidas da palavra de um servo de Deus?
Naquele instante dei um pulo, desconfiado ainda perguntei:
-Foi Deus que lhe mandou vir aqui falar comigo? Tem certeza que era eu mesmo?
-Absoluta, anda vai à busca do teu milagre!
E foi isso que fiz. Corri em direção à parada de ônibus e fiquei ali para desgosto das pessoas que aguardavam. Sempre a mesma cena, senhoras apertando contra o peito suas bolsas e homens resmungando por minha presença, nem dei trela, se o Senhor ordenará que fosse ali e esperar não haveria homem na terra que fizesse arredar enquanto a espera não terminasse.
Era perto das onze da manhã, quando vi um senhor de cabelos grisalhos com a cabeça pra fora da janela gritando e acenado.
- Ô menino! Sobe, anda logo!
-Quem eu?
-É você mesmo entra neste ônibus.
Entrei o senhor se levantará para pagar minha passagem, sentei-me ao seu lado.
A espera do meu milagre se aproximava!
-Menino, essa noite o Senhor Deus não me deixou dormir de jeito algum! Passei a noite escutando que deveria vir até essa parada e buscar um rapazinho como você.
- Mas o senhor tem certeza que sou eu?
- Ora menino, claro que tenho, eu sou pastor, por acaso você já viu servo de Deus mentindo?
Atravessamos metade do velho centro rumo ao novo centro em silêncio. Eu me mantinha em oração e com o coração a saltar pela boca.
O que me reservaria essa viagem?
O que me reservaria o Senhor? Fazia três anos desde o sonho na praça, no banco, de frente para mar, eu contava com dezesseis anos agora e minha esperança ardia como nunca!
A certa altura o senhor de cabelos brancos me disse:
-Você salta no próximo, ali adiante da parada tem uma grande empresa, o Senhor diz que você caminhe até lá e nesse local que começa sua nova vida!
Meu susto foi tanto que custei a concluir a frase.
-Veja o meu estado, como é que posso me apresentar dessa forma, o senhor vai comigo ao menos?
- Menino tem meus negócios, até aqui eu fui contigo o resto da empreitada e por sua conta, vai e Deus o acompanhe!
Só vi o ônibus se afastando, eu estava num bairro abastado da cidade perto da orla.
Há alguns metros diante a mim, se ergui um magistral edifício. Fiquei ali olhando, eu dizia comigo mesmo; “Senhor, eu não posso, eu não posso, olha pra meu estado, não tenho condições!” E nessa ladainha, quando dei por mim estava diante do grande portão, a entrada da enorme empresa era amplo e ordenado por jardins, estava eu a meio caminho da porta de entrada quando fui barrado.
-Pare aí mesmo! Você por acaso endoidou foi? Onde pensa que vai? Passa fora daqui menino, antes que chame os “macacos”!
-Mas moço Deus me mandou...
- Deus o quê? Olha; larga de conversa e meia volta e rua! Que estou começando a perder a paciência!
Fui saindo cabisbaixo então Deus tinha se enganado?
Até parece que Deus é homem para se enganar, atrás de mim ouvi o homem chamando.
- Volta, menino volta aqui!
Não precisou chamar duas vezes dei um corre e logo estava diante dele.
- Eu devo estar variando das idéias, mas você disse que foi Deus que te mandou aqui?
- Foi sim senhor!
-E para modo de quê hein?
- Ele me colocara nessa empresa!
-Oxé! Você andou tomando muito sol nesta tua moleira! Rapaz você deu uma boa olhada pra você?
- Eu sei moço, parece impossível eu também achava, mas para Deus nada é impossível!
O que aconteceu para aquele homem mudar de idéia eu não fazia idéia, ele me olhava incrédulo, mas me mantinha ali como se esperasse algo, instantes depois a espera acabou.
-Cadê, cadê o menino?
-Patrão, aqui, chamei de volta conforme o senhor me pediu.
-Menino me diga uma coisa, como você se chama?
- O meu nome é...
Quando falei meu nome achei que o “patrão” ia ter um troço bem ali na minha frente de tão vermelho que ficou ele andava de um lado para o outro e dizia a si mesmo: “Porque você não parou com a bebedeira, agora deu nisso, variando em plena luz do dia!”.
Voltou se para mim e disse:
-Menino, eu não dormi a noite toda com uma voz tamanha bradando teu nome nos meus ouvidos, foi um horror. Vem comigo, você começa hoje aqui na empresa.
Dei um pulo e gritei gloria a Deus bem alto para assombro do “patrão”.
-Tu ainda és crente?
-Sou sim senhor!
-Bem, mas aqui não tem isso de gloria a Deus não, vamos logo entrando.
Você fica aqui por enquanto e já que ama tanto a Deus, pelo amor de Deus toma um bom banho e se esfrega bem, pega esses molambos que você veste e joga no lixão lá fora. Rapaz o cheiro é muito ruim! Vou mandar o boy buscar umas roupas pra você. Depois que estiver vestido vá até o refeitório e faça uma refeição, quando estiver limpo e alimentado me procure em minha sala, vou lhe mostrar seu serviço aqui!
Era real, eu estava vivendo aquilo meu Deus, meu amado Deus, quem poderá entender teus caminhos?
Tomei o banho mais demorado de minha vida, quando acabei minhas roupas haviam chegado, em frente ao grande espelho eu quase não me reconheci então por debaixo daquela sujeira e farrapos aquele rapaz refletido no espelho era eu? Nada mau, pensei. Para alguém que passou sua vida na rua e no relento até que eu era bonito!
Gargalhei e chorei. Glorifiquei ao nome do Senhor Jesus, Ele nunca me repudiara, nunca me enxotara de sua presença, Ele me viu lá do alto e me escolheu dentre muitos filhos foi a mim que Ele semeou uma promessa.
Eu ficaria naquela empresa por treze abençoados anos onde o Senhor usara de forma poderosa o “patrão” para me abençoar ainda mais. Fiz o Mobral, aprendi a ler, a escrever, podia agora ler a Palavra de Deus e levá-la as pessoas.
Ingressei numa pequena comunidade evangélica de Recife que veio a se tornar grandiosa com o decorrer dos anos. Ali junto com outros aprendi muito sobre a vida ministerial e sobre o chamado que o Senhor tinha para minha vida.
Não tinha duvida alguma que assim que cumprisse o seu tempo Ele me levaria a pregar o evangelho.
Era necessário um prepara e não me faltou coisa grande nem pequena. Em tudo eu sentia o toque de Deus, em tudo o amor de Jesus me aparava, devido aos meus esforços consegui concluir meus estudos e o Senhor me habilitou para cursar uma faculdade.
Fui ungido a pastor, e pregava em alguns cultos de domingo da amada comunidade que me recebera tão bem.
Agora eu era muito abraçado e abraçava muito, entendi que nunca me faltou abraço Jesus sempre estivera de braços estendidos para mim.
E eu estava quase me acostumando com aquele vidão quando a palavra se cumpriu por completo.
O Senhor me tirou do opróbrio e contra o obvio me colocou num lugar de excelência e quando deu o tempo que Ele havia determinado, como um valente Ele me erguera para percorrer a todos os lugares e a todos anunciar o evangelho.
A espera do meu milagre havia acabado!






Fabiana Ferreira Lopes
Enviado por Fabiana Ferreira Lopes em 12/06/2009
Código do texto: T1644594
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