Professor Lucas
Queridos leitores, em virtude da proximidade dos Dia dos Namorados, presenteio-lhes com um dos meus contos mais populares, o qual integra o meu primeiro livro: Carimbos e Protocolos - Contos Burocráticos. Leiam com atenção e mergulhem no conflituoso universo do Professor Lucas, protagonista desta história. Um conto ao mesmo tempo cômico e dramático e que poderia muito bem ser um fato verídico (e se já não foi...) Portanto, emocionem-se com essa inusitada história de amor.
Um grande abraço a todos e tenham uma boa leitura.
Conto: Professor Lucas
Autor: Fábio Pacheco
Era um homem culto, isso era inegável, mas o que tinha em cultura também tinha em arrogância, na mesma medida. Todos os alunos já conheciam a antipatia daquele professor. Gostava de provocar os graduandos e depois humilhá-los com afirmações os quais não podiam contestar devido ao pouco conhecimento que possuíam. Evidentemente, estavam ali para aprender e não para ensinar.
Mas era tão insuportável que nem os seus colegas de ofício queriam a sua amizade e se até aquele momento ele permanecia naquela universidade era unicamente por ser concursado. Pois todos os dias a coordenação recebia reclamações a respeito da meto-dologia de ensino que empregava nas salas de aula. De fato, era um ser abominável perante todos os freqüentadores daquela instituição. De tal forma que até os faxineiros não gostavam da sua presença, assemelhava-se a um homem portador de uma doença infecto-contagiosa.
Se o seu comportamento era antipático, pior ainda era sua aparência: de pele pálida, semelhante a de um morto-vivo, olhos grandes e salientes, usava o cabelo lambido com um gel barato e vestia roupas cafonas: colocava sempre uma gravatinha borboleta que poderia ser azul ou vermelha, dependendo do dia da semana. Quando falava, emanava um hálito com cheiro de remédio homeopático, pois sofria de um mal-hálito insuportável e para minimizar esse problema recorria a tais substâncias.
Então, todas essas razões, além de outros desvios de conduta que possuía, não permitiram que ele se casasse. Afinal, quem o suportaria? Somente o seu cãozinho de estimação, o Sócrates, tinha esse verdadeiro dom divino. Era o seu único amigo e ouvia as suas confissões. Aquele pequeno animal, magrinho e despelado, retratava a própria alma do seu dono. Pois embaixo daquela couraça de arrogância e antipatia existia um homem triste e solitário. E amor era uma palavra que ele só conhecia por meio dos incontáveis livros de filosofia e teologia que tinha em sua biblioteca particular.
Nos dias de folga, ou ficava estudando em casa ou então ia visitar a sua velha mãe, que constantemente o aconselhava a arranjar uma moça decente e casar-se. Por ser seu único filho, Dona Célia esperava poder contemplar e beijar seus netos antes de falecer. No entanto, ele sempre justificava que preferia permanecer solteiro, afirmava que uma família atrapalharia os seus estudos; além de ser bastante dispendioso. E normalmente concluía a conversa dizendo que estava feliz na situação a qual se encontrava. Contudo, no íntimo do seu coração, sabia que a solidão era um tormento que lhe castigava.
Algumas vezes, imaginou que poderia se envolver com uma das belas moças que freqüentavam àquela instituição de ensino. O problema era que todas elas o desprezavam tanto por causa de sua aparência como pelo seu comportamento. Não conseguiam ver nenhuma virtude naquele infeliz. Na verdade, lecionava naquele lugar há quinze anos e jovem alguma havia lhe dado ao menos um piedoso sorriso.
A sua sorte mudou quando, num certo semestre letivo, chegou ao estabelecimento uma aluna novata, havia sido transferida do Rio de Janeiro a pedido do seu pai; que era um oficial do exército. O seu nome era Tereza, uma bela moça de olhos azuis, corpo bem proporcional com a sua altura, pele queimada pelo sol e que possuía cabelos louros e ondulados. Contudo, seria apenas mais uma aluna na turma do Prof. Lucas se não fosse por uma importante razão: ela se apaixonou por ele.
No começo, ele não havia percebido a fascinação da jovem. Só estranhava a sua demasiada atenção à matéria que ensinava: Filosofia. Pelo fato de a matéria ser eletiva, julgavam que era desnecessário ficarem atentos aos assuntos apresentados e normalmente passavam toda as aulas conversando. À medida que transcorreram os meses, ele começou a perceber as paqueras da moça: as piscadelas, os sorrisos espontâneos, os lances de pernas que ela dava quando usava minissaias.
Evidentemente, o professor contemplava tudo aquilo sem acreditar. Refletia que era completamente incompreensível uma mulher tão virtuosa quanto aquela se afeiçoar por ele. Estudou de todos os ângulos possíveis aquela situação, porém não encontrou justificativa. Até presumiu se estaria sendo protagonista de um sonho bom. Mas era realidade, poderia não admitir, mas era.
Permaneceu mergulhado naquela aflição por vários dias, até meses. E receava aceitar as investidas dela, pois temia ser punido com algum tipo de repreensão ou até mesmo uma indesejável suspensão pela diretoria do curso. De fato, existiam normas a respeito das relações dos professores com os seus alunos e que deveriam ser seguidas. Uma delas ressaltava a proibição de envolvimentos íntimos entre as duas partes, dentro de todo o campus.
O desfecho aconteceu numa época de inverno: dias chuvosos, frios e melancólicos. O ambiente desolador provocou o xeque-mate naquela estória. E numa sexta-feira, no final da aula, já estava anoitecendo e como de costume todos os alunos correram desespera-damente para os bares que estavam localizados próximos à universidade. Só restaram na sala de aula o professor Lucas e a aluna Tereza. Ambos permaneceram estáticos por vários segundos, entreolharam-se, estavam cientes de que o destino os havia colocado no momento tão esperado: o do primeiro contato. Restava apenas um dos dois tomar a iniciativa. E talvez pela ansiedade, sentimento bastante comum na juventude, foi Tereza quem primeiro falou:
- Oi, professor, tudo bem?
- Tudo tranqüilo, Tereza, você quer tirar alguma dúvida sobre o assunto dado hoje?
- Sim, quero. Na verdade, eu não entendi nada do que foi ensinado. E queria saber se o senhor poderia me dar uma orientação. Posso ir na sua casa nesse final de semana? Tenho medo de ser reprovada na sua matéria e conseqüentemente sujar o meu histórico escolar. E eu não quero levar uma bronca do meu pai. – Risos.
E eis que veio um dos momentos decisivos na vida daquele homem, tal episódio que ele pensava que permaneceria isento até a sua morte. A moça havia feito a pergunta capital, a frase que poderia leva-lo ao desemprego ou a verdadeira felicidade. E o pior de tudo é que ele não tinha tempo para reflexões profundas, afinal, ela estava esperando uma resposta. Naquele momento, ele não poderia utilizar muito da sua vasta cultura filosófica. Não poderia consultar o que Platão diria a respeito, ou o erudito Santo Agostinho falava sobre as coisas do coração, ou desesperadamente procurar alguma obra de Sartre. Contava somente com o seu livre-arbítrio, deveria decidir o seu futuro. E a resposta deveria ser breve, monossilábica: sim ou não. Tais palavras que são compostas por três letras, mas que já eclodiram guerras e promulgaram a paz em diversas nações da Terra; ao longo de toda história da humanidade.
Não demorou nem dez segundos para que a estudante começasse a estranhar a demora do mestre para respondê-la. Instantaneamente, presumiu que ele não a desejava, que poderia ser casado apesar de não usar aliança em nenhum dos seus dedos. Ou então poderia ser homossexual, já havia conhecido alguns professores com essa opção sexual na faculdade do Rio de Janeiro. Não tinha nada contra isso, porém torcia para que fosse uma desconfiança infundada. Estava cansada das suas decepções amorosas. E, angustiada com o silêncio, disse:
- Por que o senhor estar demorando tanto para me responder? Por acaso a sua esposa é muito ciumenta?
- Não sou casado, Tereza, moro sozinho.
- Então qual é o problema, professor, não gosta de mim? Se for esse o motivo, eu peço ajuda a uma colega da sala.
- Claro que gosto de você. Como eu não gostaria da aluna mais dedicada dessa turma?! Saiba que você é um bom exemplo para todos os outros. A maioria deles não gosta da minha matéria e nem tampouco de mim. Na verdade, só assistem à minha aula porque precisam de uma cadeira eletiva para alcançarem a graduação.
- Já percebi isso. Mas, acho a sua cadeira muito interessante e admiro a sua maneira de ensinar. Confesso que o senhor é um dos melhores professores que já tive.
- Obrigado, Tereza, faz muito tempo que não ouço um elogio de um aluno.
- Ótimo, porém o senhor não respondeu a minha pergunta. Vai me ajudar ou não?
Não havia fuga, não existia oratória ou enfeites frasais que desviassem a indagação colocada pela jovem. Ela elogiou o seu trabalho, de fato uma raridade, o mínimo que ele podia fazer era respondê-la. E então, em questão de segundos que pareciam uma eternidade, refletiu se agiria movido pela razão e conseqüentemente não a levaria a sua casa, evitando prejudicar-se profissionalmente, ou então agiria pela emoção, pelo impulso do sentimento que lhe acometia; permitindo o ingresso da jovem a sua residência e conseqüentemente a sua vida. Nisso, lembrou que sempre foi um racionalista, desde a época em que era estudante universitário, sempre fugiu dos riscos, das aventuras, das festas e das bebidas. Foi esse o motivo de ter possuído apenas três namoradas ao longo dos seus quarenta e dois anos de vida. E aquele era o momento oportuno, talvez o último, para mudar o seu destino. O qual o havia transformado num homem tão amargo e abominável. Logo, olhou para Tereza, que já estava mergulhada no desespero da dúvida, e piedosamente disse:
- Não negarei ajuda a uma boa aluna, pois não vejo mal algum nisso. Você pode ir lá em casa amanhã, às três horas da tarde. Vou te dar o meu endereço.
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