ENCONTRO
Lá está a representação de todos os seus sonhos de amor e prazer: entre a fumaça dos trens que chegam e vão, e as finas e preguiçosas gotas da chuva que cai; de pé, tímida, sorridente, ansiosa. Lá está tudo o que ele sempre quis com inconformidade infantil, impaciência blasfêmica, dúvidas débeis. Apenas a alguns passos de confirmar, através de um beijo, a razão pela qual suas mãos tremem, seus olhos mareiam de emoção, e seu coração, descompassado, parece querer pular do peito inflamado pela luxúria, mas sobretudo, pelo amor que o faz, neste instante, perder a noção de tempo e espaço.
“Quanta diferença!”, dirão os seus. Antes obtuso, pacato, indiferente...hoje, o maior dos amantes que já existiu, que contou horas e segundos para que este momento arribasse, que amargou horas solitárias, acompanhado apenas por escritores mortos, estórias de amor e súplicas fervorosas em páginas amareladas pelo Tempo, o maior inimigo dos que amam.
Sente-se pleno e confiante, enquanto diminui os passos que antecedem o contato da pele, o tremor mútuo nos lábios febris, a união dos corpos, que por tanto tempo desejaram este momento. Ela ri, e suas pernas parecem não obedecê-lo, tal a vagareza com que - lhe parece-, teimam em mover-se. Com as mãos sob o queixo, pelo frio e ansiedade, sua imagem estimulá-o a lutar contra a distância e transeuntes inoportunos que vêem e vão a todo momento, obrigando-o a desviar-se, enquanto tenta não perdê-la de vista.
“Deus, como é linda!”, pensa, mesmo à uma distância considerável. Imagina que irá desfalecer, de tanta emoção. O que antes apenas mareava seus outrora tristes olhos, agora encharca seu rosto, como se a chuva caísse apenas sobre sua face angustiada e feliz. Poderia jurar sentir seu perfume, mesmo a metros de distância. Ela acena, entre pulinhos e sorrisos pueris. “Pai, dá-me forças!”, suplica entre dentes. Seus longos cabelos d’ouro voam com o vento que os acaricia, pondo-o às raias da loucura.
Entre esbarrões, desculpas e milhares de vozes, ele aproxima-se, enquanto carrega suas pesadas e incômodas malas, agora sujas pela negra lama que espirra do chão, enquanto pessoas vão de um lado a outro, numa pressa animalesca. Sorridente, embora cansado, larga as malas e abre os braços, exausto, como num último pedido de consolo. Pára. Olha adiante, e o sorriso desfaz-se, na velocidade do pensamento.
Ela sumiu! Onde? Como? Porquê?
A angústia de outrora, entre páginas amareladas e madrugadas insones, ri e lateja. A chuva volta, mais forte e avassaladora. Pessoas correm, buscando abrigo. Esbarram naquele corpo inerte, incrédulo. Sua garganta parece sufocá-lo, tal a dor que sente durante os mais longos segundos de sua vida.
Sente um toque trêmulo sobre o ombro, enquanto a água escorre sobre sua feição mortificada. Volta-se, num último sobejo de esperança...e lá está ela! Molhada, trêmula, e esforçando-se para esboçar um sorriso convincente, que não deixe transparecer o frio que a aflige. Os trapos que tentam em vão, cobrí-la, estão escuros, puídos, no fim. Seus seios colados à fina camada de tecido que os envolve, as sandálias gastas, em conjunto com a indulgente expressão de seu rosto cabisbaixo, denunciam sua pungente miséria. Após um segundo de surpresa, ele a examina dos pés à cabeça. Ela recolhe-se e ensaia uma dolorosa meia-volta para ir embora. Ele a puxa pelo braço. Sua cabeça pende para um lado, e ele ri. Abraça-a com fervor, paixão e devoção. Confusa, ela também ri, recebendo seus beijos, envolvendo seu pescoço, e deixando-se dominar por aquilo que sempre sonhou.
As pessoas continuam correndo, na sua humana e costumeira indiferença às cenas que não tenham relação com suas pequenas e mesquinhas vidas, enquanto a chuva continua impassível e impiedosa. O barulho ensurdecedor das gotas sobre a fachada de zinco, a tela cinza formada pelas grossas gotas d’água, e as coléricas vozes que inundam o ar, dão ao ambiente um clima tenso, pesado. Mas nada disso importa para aqueles dois, que encontraram, num dos dias mais horrendos do ano, o mais belo dos sentimentos: o amor incondicional.