Elm

No meio da floresta, nasceu Elm.

Com dificuldade, ele foi quebrando a casca do ovo, sentindo uma mistura de medo e curiosidade. O que o esperaria lá fora?

O irmão mais velho de Elm já deixara o ninho há muito tempo atrás e era experiente em vôos e caças. Tinha um espírito independente e quando chegou a sua hora, estava preparado para o grande vôo. Saltou para a liberdade e para novas experiências e emoções.

A mãe de Elm então observou que seu filho mais novo era totalmente diferente do mais velho. Ao invés de estimular sua auto-confiança, abriu suas grandes asas e protegeu de tudo e de todos.

Finalmente, a hora do grande vôo de Elm acabou chegando, entretanto, Elm ficou tomado de pânico. Não se sentia ainda preparado para o mundo lá fora.

O ninho ficava na parte mais alta da árvore mais alta de toda a floresta.

Suas perninhas tremiam e suas asas se encolheram. Ele ficou paralisado de medo e não conseguiu sair do lugar.

No dia seguinte, a mesma coisa... e assim sucessivamente, por meses.

Elm não tinha amigos, pois todas as outras águias de sua idade já voavam alto, livres e se divertiam muito caçando. Algumas vezes, uma ou outra visitava seu ninho, sempre observados bem de perto pela mamãe águia.

Tentavam convencer Elm a sair do ninho, a passear, a se divertir com eles, a brincar. Elm até esboçava um olhar de "Posso, mamãe? Eles vão cuidar de mim..." Mas a mãe era inflexível. Só ela poderia tomar conta de Elm da maneira certa. Pobrezinho...

Vivia dizendo a ele que o mundo fora da árvore era mau e perigoso, que ele não saberia se cuidar sozinho, que era fraco e precisava de sua proteção. De tanto ouvir sua mãe, ele acabou se convencendo que, mesmo sendo uma águia, não poderia se arriscar, afinal de contas, ela era a mãe: experiente, vivida, deveria saber o que dizia. Provavelmente estaria certa. E parecia mesmo que ela sempre estava.

Assim, Elm se conformava, indo para o seu cantinho no ninho. Seu irmão mais velho, como tempo, constituiu sua própria família, mas em uma árvore próxima, na mesma floresta. Pouco visitava o velho ninho, e quando o fazia, sempre olhava Elm com dois sentimentos:

1. Inveja: a mamãe águia tinha sido sempre mais amorosa e protetora com Elm do que com ele.

2. Despeito: seu ninho era bem estruturado, ele era "alguém" na vida, alcançou uma boa posição na comunidade das aves e nada lhe faltava.

Elm, por sua vez, ressentia-se com seu irmão mais velho por ele nunca ter se importado com seus sentimentos e, a vida toda, pensou sempre mais em si mesmo do que no amor fraternal.

Os anos foram se passando e a mãe de Elm envelheceu. Ele continuava com ela no ninho, até que um dia, ele conheceu uma águia fêmea muito atraente. Apaixonou-se tão rápido que esqueceu-se de todos os seus medos. Disse à sua mãe que se mudaria para outro ninho com sua jovem amiga.

A mãe, acostumada a cuidar de Elm a vida inteira, não aceitou bem a situação. Ela o controlava em tudo, desde como deveria ser a posição de suas penas até na sua alimentação rica em minhocas, dadas ainda no bico.

Ela não aceitou a decisão de Elm, mas Elm insistiu. Ela lhe disse então: "Filho, não vai dar certo..." Dito e feito. Não deu. Deprimido e amargurado, Elm retornou ao ninho de sua mãe, sentindo-se pior do que antes.

Por dentro, ele queria ser diferente, livre, seguir sua natureza, mas depois de tanto tempo de condicionamento materno, ele acabou se convencendo que não tinha nascido para ser uma águia feliz.

Isolou-se no canto do ninho e já não recebia mais os poucos amigos. Escondido de sua mãe, achou umas folhas na parte detrás do ninho, que ao serem mastigadas o deixavam extremamente relaxado.

Ele dormia e esquecia de todas as suas tristezas. Mas quando o efeito das folhas passava e ele acordava, lá estava o ninho novamente, no mesmo lugar, na mesma condição, o que se tornou para Elm um ciclo vicioso.

Um dia, outra águia atraente surgiu na vida de Elm, mas ela era tinha um jeito muito parecido com o da sua mãe. Era acolhedora e carinhosa, por isso Elm tentou mais uma vez. Por sugestão de sua mãe, que aprovara a águia fêmea, ele foi morar em um ninho bem próximo, o que permitia a sua mãe que os visitasse sempre que quisesse.

Sem vida própria, Elm continuava infeliz. A cada dia, ficava mais e mais deprimido. Próximo ao novo ninho, surgiram as mesmas folhas que ele mastigava quando jovem, e embora acolhido pela nova companheira que fazia de tudo para que ele se sentisse confortável e feliz, nada adiantava, e Elm retomou o costume de mastigar as tais folhas para fugir de si mesmo.

Por fora, a aparência de Elm era de uma grande águia, com garras poderosas, mas em sua mente, ele se via como aquele filhotinho indefeso, de olhos grandes e tristes. Tinha medo de enfrentar a velha mãe (afinal, ela abrira mão de tantas coisas para cuidar dele a vida inteira...) e tinha medo de buscar novas aventuras, conhecer novas águias, visitar clareiras, descobrir a floresta.

Ao mesmo tempo, também tinha pena de deixar sua companheira, que cuidava dele como sua mãe. À ela, ele era um devedor.

O tempo foi passando e Elm foi ficando cada vez mais amargo. As folhas que mastigava o mantinham dentro de uma gaiola imaginária, onde nada poderia lhe fazer mal. Finalmente, sua mãe e sua companheira descobriram que ele usava as tais folhas. Queriam ajudá-lo mas só sabiam dizer que tudo era uma fase e que passaria rápido.

Logo, a comunidade das aves também ficou sabendo do segredo de Elm, mas nada fizeram para ajudá-lo.

Sua mãe chamou logo um psiquiáguia para tratar de Elm, e este por sua vez, receitou tantos remédios que Elm vivia tonto. Uma psicóláguia também foi chamada mas ela só falava, falava e falava, não trazendo muitas soluções...só deixava Elm mais confuso.

Sem alegria de viver, sem sentido em existir, Elm resolveu que a única forma de se aliviar do tormento que era sua vida era mastigar quantas folhas "felizes" ele pudesse aguentar, e foi o que ele fez.

Ficou internado no Hospital das Águias por vários dias, mas sobreviveu. Perdeu o brilho das asas, seu bico ficou sem força mas ele ainda pensava do mesmo jeito: era melhor não interagir com o mundo do que enfrentá-lo. E ele fez essa "viagem" várias e várias vezes...

Medo.

Angústia.

Solidão.

Raiva de si mesmo.

Desesperança.

Apatia.

Todos os sentimentos negativos envolviam Elm, sem perdão. Sua cabeça doía, não conseguia dormir. Começou a morrer em vida. À noitinha, na borda do ninho, ele olhava a floresta iluminada pela lua. Como tudo era lindo...o som do vento que balançava as folhas das árvores, a luz da lua refletida em um lago próximo... e ele se deprimiu. Sentiu-se culpado por ter se permitido viver assim.

Foi então que aconteceu algo mágico e inesperado. Uma jovem águia fêmea pousou no ninho de Elm e de sua mãe dominadora e superprotetora. Uma águia altiva, elegante, de olhos lindos e penetrantes. Ela dirigiu-se a Elm com tão passos tão firmes e decidos que sua mãe quedou-se muda, surpresa, sem ação. Ao chegar em frente a Elm ela parou, olhou-o ternamente nos olhos, um olhar tão suave quanto imperioso, e disse:

_ Quer voar bem alto comigo, meu lindo?

Elm sentiu seu coração disparar como nunca antes, fazendo seu sangue fluir com energia inusitada pelas veias e artérias de seu jovem corpo, renovando suas forças e devolvendo o brilho e plenitude de suas asas. Seu corpo inteiro se revigorou, redobrando-lhe as forças, e ele sentiu o medo desaparecer para dar lugar a um outro sentimento intenso e arrebatador que ele desconhecia.

_Sim, eu quero, disse Elm, e ambos lançaram-se ao espaço batendo suas asas num frenesi sincopado e progressivo que os elevou acima das nuvens sob o olhar incrédulo da mãe de Elm e de seu irmão mais velho, que atônitos, conseguiram balbuciar apenas uma frase:

_Meu Deus, ele está voando...

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Observações:

¹ Eu sei que águias não vivem em bandos, mas as usei por causa do simbolismo que elas carregam, de força e independência, o que justamente faz parte de sua natureza.

² O nome "Elm" foi escolhido com base na Terapia Floral. Ele é voltado para pessoas que, sobrecarregados pelas responsabilidades, sentem-se temporariamente sem forças e esgotados.