"AS MÃOS DE OURO" Conto de: Flávio Cavalcante
AS MÃOS DE OURO
Caro amigo, leitor
Este conto foi um fato que aconteceu comigo. Não há como negar a realidade dos fatos, quando tudo acontece bem diante dos nossos olhos e principalmente conosco.
Eu era muito pequeno, mas até os dias de hoje isso me marca profundamente e é uma incógnita na minha vida. Um mistério que para mim é indecifrável. Se o amigo leitor puder me esclarece o que se trata, eu agradeço piamente o apreço, pois eu mesmo nunca descobri.
Tudo ocorreu na cidade onde nasci. Minha família sempre teve o ponto de equilíbrio no rabo da saia da minha avó, que além de matriarca, carregava essa responsabilidade de ser o esteio dos filhos, marido e adjacências. Ela era conhecida na cidade, por sua bondade e conselheira. Meu avô, era funcionário público na cidade, que na época, aquele abrangia este cargo era motivo de orgulho pra qualquer pai dar a sua filha em casamento, pois via ali um futuro triunfante e se tratava de um emprego cobiçado e estável.
Pelo fato de ter uma casa digna de um coronel, a cidade inteira tinha o meu avô como homem de posses. Até a primeira televisão á chegar na cidade nos meados de 50 e 60, foi adquirida por ele. Realmente para o padrão da cidade a casa era imensa e muito bela.
Na frente da casa, tinha um pinheiro que era visto em boa parte da cidade pela sua altura e que nas noites de natal ficava enfeitado com luzes de várias cores, dando conotação às festividades natalinas.
A casa vivia cheia. Muitas festividades em fins de semana. Eu e meus primos fazíamos farras de brincadeiras, explorando todo quintal que era bastante atrativo para este fim.
Minha avó cortava lenhas para um forno rústico feito de tijolos batido. Notavelmente que a tecnologia ainda não tinha avançado por aquele lugar.
Com a presença da anfitriã, éramos de uma felicidade incalculável. Chupávamos frutas do pé, fazíamos cozinhados de vísceras de galinhas de capoeira. (Caipira). E depois de uma brincadeira deliciosa aonde viajávamos na imaginação, as meninas e suas bonecas passavam a ser mães e filhas, e nós homens com nossos pequeninos carrinhos, pai das crianças e ali se desenvolvia uma brincadeira inocente e feliz. No cair da tarde minha mãe passava na casa de minha avó para nos levar pra casa e aí, saíamos na saudade e na esperança de que o novo dia chegasse para começarmos tudo de novo. E assim eu ficava todos os dias na casa da minha avó desfrutando destes prazeres, que hoje falo com saudades. Tive uma infância.
Lembro-me bem que um belo dia num final de tarde na casa da minha avó. Eu tinha na época 6 anos de idade mais ou menos. Era muito criança, ainda; mas já tinha noção da imensidão daquela habitação. A cidade é um pequeno lugar no Estado das Alagoas.
Nessa tarde, estava eu no quintal desta casa que também acompanhava um quintal grandioso, cheio de plantas, árvores e animais domésticos espalhados por todos os lados. Minha avó adorava sua criação galinhas e sempre no final da tarde pega um punhado de milho e jogava pra alimentar as penosas que faziam um banquete farto e barulhento.
Eu brincava como toda criança na minha idade, mas exatamente neste dia eu era a única criança na casa e o dia estava um tédio, acho que o costume da rotina de ver muitas crianças da minha idade brincando comigo. Minha avó varria o quintal com uma vassoura de piaçava. Ela varria, varria, e eu brincava.
A saída da casa pro quintal era calçamentada e por ter muitas plantas, havia um corredor de barro batido, que dava pra um quarteirão, da cidade. Era muito bonito o lugar.
O sol já estava prestes a se pôr. Final de tarde mórbido. A paisagem sorumbática me deixara suspirar de alívio e saudades da minha turminha que não estava comigo naquele dia.
O que estava se destacando naquela hora era uma fonte sonora de cigarras cantarolando uma mesma canção vindo de algum lugar do arvoredo, que parecia anunciar a chegada da noite. Um verdadeiro presente da natureza que me deixara ficar encantado naquele momento. Muitas cigarras faziam uma barulhada ao mesmo tempo e eu fechava os meus ouvidos, pois estava achando irritante aquele pandemônio.
Passeava o olhar por entre a copa das árvores anosas que completava aquele cenário e naquele momento estava muito turbulento, na intenção de conseguir pelo menos ver alguma cigarra, mas tudo em vão. Só um imenso folharal visto no alto dos arvoredos.
Eu olhava em vários pontos daquele imenso matagal tentando ver uma cigarra que pudesse completar o meu dia de tanta solidão. Quanto mais eu procurava, mas, as cigarras cantavam em vários pontos diferentes. Minha avó nem percebia que algo estava me deixando perplexo e eu de tão vislumbrado com a cena nem dei ouvidos e procurava incansavelmente de onde vinha àquela melodia melancólica.
Só que não imaginava no porvir. Nunca passou pela minha cabeça que aquela tarde iria marcar profundamente a minha vida até os dias de hoje.
O chegar da noite cada vez mais se aproximava e eu não percebera, pois a intenção de ver as cigarras era intensa. Teve uma hora que comecei a me dispersar daquele lugar. Minha avó já estava preocupada porque eu não estava diante de seus olhos e nem mesmo eu poderia imaginar que pela hora e imensidão do quintal, além de poder me perder, poderia ser atacado por algum bicho.
O sol foi cada vez mais morrendo no horizonte e o começar da noite já estava muito prestes á chegar. Repentinamente ouvi os gritos da minha avó chamando o meu nome dizendo que estava escurecendo.
- Escurecendo? (Pensei. Apesar do dia estar morrendo, eu ainda, estava vendo tudo bastante claro).
E cada vez que o tempo ia passando, mas eu ia vendo nitidamente as coisas. Os detalhes das folhas. Apesar da minha idade ser pouca, eu percebia naquele momento que algo de estranho estava acontecendo. Que pelo tempo que eu estava no local, já era pra estar totalmente escuro. Mas o tempo parecia estacionar pra mim naquele matagal.
Já ouvia os gritos da minha avó em tom de desespero e quando ela falou.
_ Onde foi parar este menino? (E a velha chamava cada vez mais pelo meu nome).
Repentinamente eu olhei por entre as folhas amontoadas e vi uma luz intensa; mas, era muita luz que ofuscava nos meus olhos. Fiquei tão encantado com a beleza daquela luz diferente que curiosamente saí pra ver do que se tratava. Saí derrubando os matos nos peitos e assim que olhei para frente estavam duas mãos imensas, fincadas no chão. Como se tivessem enterrado alguém de corpo inteiro e deixado apenas ás mãos no lado de fora. Mas eram mãos imensas e não podia um ser humano ter mãos daquele tamanho. Mas confesso, caro amigo leitor. Nunca vi algo tão lindo na minha vida. E o interessante que mesmo tendo a plena certeza que se trava de algo sobrenatural, não estava com medo algum.
Eram mãos brilhantes numa luz de tonalidade amarela, mas muito intensa. Pareciam mãos de ouro. Quanto mais eu olhava, mas algo me puxava pra ir ao encontro delas. Era uma força mais forte do que eu.
Fui surpreendido pela minha avó que me deu a maior bronca, por não responder o seu chamado.
Menino, não está vendo que já escureceu? Vamos pra casa...
Ainda não escureceu vovó...
(Falei assim; pois estava vendo tudo claro, refletido pelo clarão das luzes vindo das mãos).
Vovó... Olhe aquelas mãos iluminadas...
(Ela retrucou sem entender nada, mas, pela minha insistência e viu que eu apontava para o local ela foi ao encontro das mãos, passando sobre elas como se nada tivesse ali e não viu absolutamente nada. Achou que eu estava brincando com ela, para não levar bronca novamente).
Ela me levou pra casa segurando fortemente a minha mão e mesmo sendo puxado pelo braço sempre dava uma espiada pra ver se conseguia ver alguma coisa. E confesso. Isto me incomoda até os dias de hoje. Nunca descobri o que essas mãos tinham pra me falar.
Vários anos se passaram. Minha querida avozinha nem estava mais conosco. Voltei ao mesmo local e parecia estar intacto. Fiquei parado em momento de reflexão por um bom tempo naquele lugar e o que vi foi só lembranças que povoaram a minha mente, voltando tudo á tona como se tivesse acontecendo tudo de novo naquele momento.
Bom, este fato aconteceu comigo e espero que alguém me dê uma luz do que realmente aconteceu!!!
Flávio Cavalcante.