Um dia difícil

Pedro deslizava atônito sob o céu de raios, a noite era negra. Ia pensativo, e mal sentia os pingos grossos que lhe encharcavam as roupas, seu frágil corpo, sua alma. Caminhava lento, solitário. Remoía as últimas palavras de sua mãe, que o atingiam implacáveis. Encolhia o corpo instintivamente, quando da escuridão, repentinamente, vinha uma luz breve e o estrondo que rasgava o infinito.

À tarde, ainda no trabalho, ele recebera o telefonema, o recado de que deveria comparecer à casa da mãe, que tinha assunto urgente e grave, que só poderia ser tratado pessoalmente. Não morava muito distante. Assim que tomou conhecimento do recado, se dirigiu para lá. O dia não havia sido nada fácil, seu patrão o comunicara de que estava de aviso prévio, e culpava a crise mundial, por ter que demiti-lo...Refletia, ainda perplexo, sobre as últimas horas, sobre a crise que aqui deveria ser apenas uma marolinha...o desemprego iminente que batia a sua porta não lhe parecia uma marolinha...que assunto tão importante poderia ter sua mãe. Nem passara em casa, estava muito preocupado. Desceu do ônibus após exatos 15min de viagem. Estava muito abatido, mal acreditava que tudo isso o pegasse de chofre logo agora. Tocou a campanhia, e sua mãe veio atendê-lo. Com o olhar grave, abriu o portão e pediu que entrasse.

Retornava a pé, pensava, muito confuso, no seu terrível dia, na vida de casado...fora um bom marido, fora? Ia triste, a chuva forte, o vento frio, o frio desamor e a solidão que o cortejava... como pôde ter acontecido...o desemprego e, agora, a inesperada notícia de que a sua família ruíra. Precisava tanto do seu porto seguro, e não o teria mais.

Como não percebera que Marília não o amava...o que fizera... por que a chama se apagara...sua mãe, taxativamente, com palavras duras, contara-lhe que fora procurada por Marília, era o fim, o casamento com Pedro...era o fim, seu porto seguro...

Os raios rasgavam o céu e iluminavam a escuridão da noite, as águas volumosas escorriam raivosas sob a ponte, de onde, por instantes, observava, parado, as águas, o seu futuro. Teria um futuro?...não, não seria o seu fim...é certo que encontraria sua casa vazia e fria, como ele se sentia no momento, frio, nem tanto pela intensa chuva ...Marília se fora, mas não seria o seu fim.