Deja Vu [1]
Eu resolvi levá-la a rodoviária. Ficava no centro da cidade, e como a cidade era pequena, praticamente só tinha centro, então ficava tanto perto da minha casa quanto da dela. Não precisaria me preocupar em ela ir sozinha para casa, pois, sim, a cidade era pequena, mas mesmo assim era perigosa. E lá, na rodoviária, nunca havia muita gente, estaríamos mais a vontade, por incrível que pareça.
Quando chegamos lá, só havia algumas pessoas em um barzinho lá na frente, um moço que esperava o ônibus (creio eu) com um fone de ouvido e balançando a cabeça. Por instantes tentei imaginar que tipo de música ele estaria ouvindo. Será que seria a perfeita pra embalar aquele momento?! Mas pelo balanço dele, acho que ouvia rock, ou talvez um pop meio eletrônico. Mas porque não um pagode?! Tinha ritmo de pagode também. Uma balada meio trash se encaixaria perfeitamente, mas seria meio estranho encontrar um cara vestido como o filho que eu vou ter daqui a uns 20 anos e ouvindo “meu ursinho blaublau”. Mas porque não poderia ser?! Afinal de contas só quem estava ouvindo a música era ele mesmo, ele poderia ouvir o que quisesse sem ninguém zoar ele, era um direito dele não era?! Mas que seria estranho, ah! Isso seria.
Tentei ouvir a música enquanto passávamos em frente a ele, mas não consegui. Então deixei pra lá e voltei a minha atenção novamente para Carla. Droga! Porque ela tinha que ser tão linda?! E como se não bastasse só ser linda, ela ainda estava mais linda do que nunca, coisa que eu jamais achei que fosse possível. Um lindo desastre e que desastre. A mocidade escorria nos olhos dela. Era capaz de destruir uma nação inteira com aquele olhar. Era só do que precisava. O olhar.
- Não entendi porque você me trouxe aqui, Felipe.
Nossa! As palavras dela fizeram um turbilhão dentro do meu peito. Por instantes voltei ao dia em que beijei aquela boca quente e rosada pela primeira vez. O corpo encostou-se ao meu, na verdade, o corpo se encaixou no meu, foi perfeito, encaixe perfeito, coisa que eu nunca tinha achado em nenhuma outra garota. Perfeito! As luzes pareciam levemente mais frágeis, os sons pareciam estar emudecendo, eu parecia estar em cima da mais branca nuvem. Foi amor ao primeiro beijo. À primeira vista não, já a conhecia de muito tempo, muito tempo mesmo. Mas o beijo, que beijo, que boca. Eu sentia o corpo dela estremecendo, acho que era de medo, acho que fui o primeiro a beijá-la. Será que fui?!
- Carla, eu fui o primeiro cara com quem você ficou?
- Mas porque essa pergunta, Felipe?
- Nada, ué. Só queria saber.
- Não. Não foi, eu já tinha ficado com alguns meninos antes.
Engraçado como você conhece alguém tão bem que é capaz de saber quando essa pessoa está mentindo e tentando fingir que não está. Fui o primeiro, ela sabe disso, e sabe que eu sei que eu fui o primeiro. Primeiro em tudo. Em tudo.
- Mas para de me enrolar, Felipe. Sei que você não me chamou aqui só pra perguntar isso. Te conheço, sei que você não perderia tempo com isso.
- Nossa, Carla. Falando assim até parece que eu sou um insensível.
- E é, e você sabe. Romantismo passa longe de você.
Ela parecia brava. Realmente romântico eu nunca fui, mas era carinhoso. Era. Até eu começar a achar que não gostava mais dela. Mas agora acho que o que eu achava era engano, acho que gosto dela sim. Tão linda. Mas... Não, não gosto não. Sou homem, vou manter minha opinião sobre isso. Amor é para fracos, não sou fraco. Mas é tão linda...
- Mas e aí, vai falar para que me trouxe aqui ou não?
- Bom, Carla. É que eu não sei como começar.
- Que tal pelo começo?
- Nossa, não precisa ser tão grossa assim.
- Não sou grossa, sou direta, coisa que você não é.
- Fala direito comigo, Carla. Ainda sou seu namorado.
- Ainda? Ah! Então era isso, você ta querendo acabar. Porque não falou logo?
Acho que aquele moço dos fones no ouvido... Acho que ele estava ouvindo uma música triste, porque eu o vi enxugar o rosto. Acho que estava chorando. Também não gosto que me vejam chorando. E logo ele, com jeitão de metaleiro misturado com punk e rockeiro. Uma coisa meio louca, mas pelo menos eu acho que era assim. Afinal de contas, todo mundo chora não é?! Pelo menos eu acho que sim. Pelo menos era pra ser assim. Afinal de contas, as lágrimas são a lubrificação natural dos olhos, não é? Sei lá. Sem elas, os olhos ficariam... Secos, eu acho, não é?! Ah! Sei lá. Só sei que todo mundo chora, nem que seja escondido, mas chora. Mas eu não ia chorar, não ia mesmo.
- É, Carla, acho que a gente não tem mais nada a ver.
- Mas porque você acha isso?
- Ah, sei lá!
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- Ah, sei lá!
- Como assim sei lá, Fernanda? Você ta acabando comigo, você tem que saber por quê.
- Ah, Felipe. A gente não tem mais nada a ver. Você é muito moleque.
- Mas você disse que gostava de caras mais novos.
- Sim, e continuo gostando. Mas não gosto de moleques, você é um moleque, Felipe!
Como ela pode fazer isso comigo, ela disse que me amava ainda ontem, será que as garotas são tão voláteis assim? Era minha primeira namorada e ela rompia meu coração assim, como pode isso? E se eu traumatizar? Se não puder mais me relacionar? Ela não vai se sentir nem um pouco culpada por isso. Conheço o tipo dela, meu pai fala delas o tempo todo. Sei bem. Mas não vou chorar, eu não vou chorar...
- Não, Felipe, não chora, por favor!
- Não estou chorando, foi um argueiro que caiu no meu olho só isso.
- Escuta. Você é jovem, vai ter várias outras namoradas.
Que pretensão dela, eu não quero outra namorada, eu quero ela, eu gosto dela. Quer dizer... Eu amo ela, pelo menos eu acho que amo ela. Não sei o que é amor. Aliás, não sei o que é nada, eu estou muito confuso.
- Mas eu não quero outra pessoa.
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- Mas eu não quero outra pessoa, Felipe. Eu quero você. Eu amo você
- Carla, você é jovem demais pra saber o que é o amor.
- Como assim? Porque eu não posso saber o que é o amor? Você está me chamando de moleca?
Eu não estava chamando ela de moleca. Mas na verdade ela era mesmo. Uma grande moleca. Mas... Como diz o ditado: criança que faz criança não é mais criança. Então... Vou poupá-la dessa frustração de ser chamada de moleca... Ah! Quer saber?! Não vou poupar não, eu também não fui poupado, então ela também não vai ser.
- É! É sim, uma moleca. Pronto, falei. Só não vai chorar.
- Que chorar o que. Não sou fraca igual a você. Ou você pensa que eu não vi você enxugar as lágrimas quando estava vindo pra cá? Hein?! Eu vi sim.
Eu não chorei, foi um argueiro que entrou no meu olho. Só isso. Mas também, do que ia adiantar dizer?! Nunca vi garota mais cabeça dura do que ela.
- Mas só me explica, porque você está acabando, Felipe?
- Quer a verdade? Pois bem. Eu estou em outra.
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- Quer a verdade? Pois bem. Eu estou em outra.
- Mas como assim, Vivi? Você não me ama?
- Até amei, Felipe, você era engraçadinho. Mas agora. Sei lá!
Eta mania de dizer sei lá! Sei lá. Sei lá. Virou resposta para tudo agora é? Que droga. Essa rodoviária não me dá sorte. Primeiro foi a Fernanda, me trouxe aqui só para terminar comigo e agora a Vivi. Só a chamei para me acompanhar até aqui para esperar eu pegar o ônibus. Mas não, tinha que me dar um pé na bunda.
- Sabe, Felipe. Não gosto desse seu estilo, sei lá! Assim meio gótico. Não curto.
- É uma mistura de metaleiro, com punk e com rockeiro. E você disse que gostava quando a gente se conheceu, não lembra?
- Sabe o que é, Felipe?! É que eu sou de Lua, tenho meus momentos e também como eu te falei, eu já estou em outra.
Maldita Lua, nunca gostei dela. Porque ter tantas fases, não se decide, ora! Seja uma só e pronto, não precisa estar cheia, minguante, nova e crescente. Crescendo o que? Nunca vi ela crescendo, sempre foi a mesma.
- Sinto muito, Felipe. Mas não dá mais pra gente continuar junto.
- Ok então. Não posso obrigar ninguém a gostar de mim.
- Você vai conseguir outra namorada.
Mais uma mania dessas meninas. Será que ela não entende que eu não quero outra?! Eu quero ela.
- Vou indo agora. Boa viagem para você, Felipe!
Nem olhei pra cara dela. Eu não queria olhar. Eu não queria chorar. Mas... Fazer o que agora?! Vou sentar, e ouvir música enquanto o ônibus não chega. Quem sabe se nessa viagem eu não conheço outra garota e esqueço ela?! Mas não vou ouvir droga de música romântica, quero um rock bem paulera.
- Você FOI muito especial para mim, Felipe!
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- Você FOI muito especial para mim, Carla!
- Mas eu ainda quero ser, Felipe. Me dá só mais uma chance.
- Desculpa, Carla. Eu já tomei minha decisão e você sabe que eu não volto atrás das minhas decisões. Sou homem de palavra.
- Maldita, honra e maldito orgulho esse seu.
- Você vai ficar bem, Carla. Agora eu vou embora. Tchau.
Não sei se eu fiz o melhor. Mas também, quem é que vai saber o que é melhor? Só o tempo é quem dirá. Engraçado, o moço do fone de ouvido foi embora e eu nem vi. Aliás, eu não vi nenhum ônibus. Ah! Sei lá!